Por Samuel Antenor
A apropriação cidadã da cultura científica envolve o trabalho de vários agentes, como professores, pesquisadores e jornalistas, na difusão de temas de ciência e tecnologia (C&T). Apesar de as notícias do setor não serem tão populares nos meios de comunicação como as de esportes, por exemplo, os dispositivos tecnológicos e as campanhas emblemáticas ajudarão a aumentar essa popularidade.
Isso é o que afirma o professor espanhol Miguel Ángel Quintanilla, diretor do Instituto de Estudos de Ciência e Tecnologia (eCyT, na sigla em espanhol) da Universidade de Salamanca (Usal) e da Fundação Centro de Estudos de Ciência, Cultura Científica e Inovação (3CIN).
Catedrático em Lógica e Filosofia da Ciência na Usal e professor honoris causa pela Universidade de Valparaíso (Chile), Quintanilla foi secretário de Estado de Universidades e de Pesquisa, entre 2006 e 2008, e é um dos organizadores da Empirika, Feira Ibero-americana da Ciência, Tecnologia e Inovação, evento internacional, bienal e itinerante inaugurado em 2010 na Espanha e que foi realizado em 2012 em São Paulo e Campinas.
Com larga experiência na articulação de atividades interdisciplinares e interinstitucionais, trabalhando com pesquisa e difusão de temas situados na intersecção entre filosofia, ciência e tecnologia, ele falou com exclusividade para a Agência FAPESP sobre seus estudos em cultura científica, sobre a crise no sistema de C&T na Espanha e as perspectivas para pesquisas conjuntas com universidades paulistas.
Quintanilla aponta que as pesquisas em parceria com instituições de outros países podem ser uma saída para a crise de financiamento pela qual passa o sistema de ciência e tecnologia europeu.
Agência FAPESP – Suas linhas de pesquisa envolvem filosofia, estudos sociais da ciência, comunicação pública da C&T e cultura científica. Nesta área, especificamente, o senhor propõe a criação de um centro de estudos na Universidade de Salamanca voltado também para a profissionalização da difusão da cultura científica. Como seria esse centro e qual seria seu objeto de estudo?
Miguel Ángel Quintanilla – A cultura científica nada mais é do que a inserção, cada vez maior, da ciência, da tecnologia e das inovações nos mais diferentes âmbitos do nosso cotidiano. E mesmo a difusão da cultura científica como profissão já está presente. O que precisamos é unificar as ações desses diferentes agentes, pois há diversos tipos de difusão. Há, por exemplo, a dos professores, feita ainda na escola primária ou secundária. Os jornalistas que atuam na cobertura da ciência são especializados na divulgação de temas científicos e os próprios cientistas também são escritores científicos. O que queremos potencializar é um enfoque diferente. É um tipo de profissional muito importante, mas poucas universidades ou centros de pesquisa têm escritórios especializados em cultura científica. É uma das muitas fronteiras que necessitamos ultrapassar.
Agência FAPESP – Sua sugestão seria a de unificar as ações de difusão, feitas originalmente por diferentes tipos de divulgadores científicos?
Quintanilla – Mais do que unificar, é fazer junto. O que está claro é que a difusão da cultura científica se faz de diversas formas e em muitos níveis, pois há muita gente envolvida nessa profissão, com ações distintas, mas que compartilham uma mesma visão sobre a importância de difundir a cultura científica. Sobre a clássica pergunta, se um profissional da cultura científica deve ser um cientista especializado em jornalismo ou um jornalista especializado em ciência, posso responder, pela minha experiência, que tanto faz. Eu não poderia definir um único perfil de expert da cultura científica, salvo no sentido de que o profissional deve ter formação e capacidade para entender a cultura científica e uma visão de como fazer a cultura científica, que eu chamo de cívica.
Agência FAPESP – Como fazer para que a apropriação social da ciência – no sentido de alargamento da participação cidadã nas questões de C&T – se transforme em um processo efetivo na sociedade, a partir da difusão?
Quintanilla – O objetivo é a apropriação por parte dos cidadãos. Falo de cidadãos, porque são pessoas que devem se apropriar da cultura científica, e não uma sociedade abstrata. Para isso, não há receitas mágicas. Creio que uma linha fundamental é a da educação cívica, obrigatória, básica, geral, para toda a população, que incorpore de forma muito mais ativa a cultura científica como parte da educação formal. E não apenas em áreas como matemática, física ou química, mas de forma muito mais transversal, que abarque todos os níveis e aspectos da educação. Penso que a educação precisa estar muito mais centrada em um esforço para a cultura científica por parte dos cidadãos.
Agência FAPESP – E como isso seria possível?
Quintanilla – Isso requer uma reforma educacional, e há iniciativas nesse sentido. Passa pela educação formal, mas é necessário fazer de uma maneira transversal, envolvendo todos os níveis. É preciso normalizar a presença da cultura científica com todos os níveis de exigência nos meios de comunicação, tradicionais ou novos. Precisamos assumir ativamente a responsabilidade de fazer com que a informação científica nos meios de comunicação, jornais, televisão, internet seja tão frequente quanto é a cultura esportiva. Porém, ainda estamos muito longe de uma realidade como essa. Estamos longe, mas vamos avançar.
Agência FAPESP – Como conciliar diferentes pontos de vista para uma apropriação social da ciência?
Quintanilla – Tentando construir um modelo de cultura científica cidadã, para que os demais atores envolvidos entendam qual é o núcleo fundamental de sua tarefa. Esta é a perspectiva da cultura científica. Ela ajuda a capacitar os cidadãos para os mecanismos de ciência e tecnologia, de forma a fazer com que possam tomar decisões sobre questões de interesse público envolvendo ciência e tecnologia ou que delas dependam.
Agência FAPESP – E isso independentemente de serem cientistas.
Quintanilla – Exatamente, propondo-se responsáveis por isso. Ainda que não sejam cientistas, é preciso que estejam capacitados para dialogar com cientistas, enquanto os cientistas devem estar capacitados para conversar com todos os cidadãos. O importante é que os cidadãos que não trabalhem com ciência entendam como funciona o processo de produção da ciência, e os cientistas precisam ter em conta que, desse modo, todos os cidadãos vão valorizar o esforço para aumentar o conhecimento por parte de quem faz as pesquisas. Funciona como uma engrenagem e que se autoalimenta.
Agência FAPESP – Então a divulgação científica e a participação cidadã interferem nesse processo de produção da ciência?
Quintanilla – Os cidadãos influenciam na produção da ciência. A questão é se isso é feito de maneira consciente, com informações e instrumentos adequados, com objetivos predefinidos e racionais, ou de forma cega, por meio de simples mecanismos de mercado ou de procedimentos gerais de participação política indireta e de voto de diferentes programas eleitorais dos partidos políticos.
Agência FAPESP – O senhor tem mencionado a intenção de criar um programa de estudos científicos na Universidade de Salamanca. O que seria e como funcionaria esse programa?
Quintanilla – Trata-se de um curso para professores. Poderíamos chamá-lo de “Ciência para Cidadãos”. Creio que teremos tudo pronto para colocá-lo na rede até o final do primeiro semestre de 2013. O programa estará aberto a todos e terá um caráter disciplinar. Seria fantástico se, em breve, pudéssemos adaptá-lo para oferecê-lo também em uma versão em português.
Agência FAPESP – Esses investimentos estão sendo afetados pela atual crise na Espanha?
Quintanilla – A crise econômica não abarca apenas a Espanha, mas todo o conjunto de países europeus, de forma mais acentuada em alguns, como no caso espanhol. Evidentemente, a crise também não atinge apenas o financiamento às pesquisas, mas nessa área se sente com mais rigor o corte de verbas, pois diminuíram substancialmente as subvenções públicas para as atividades e instituições científicas. Particularmente, creio que o sistema possa aguentar por algum tempo essa situação, que afeta todos os setores na Espanha, mas o sistema espanhol de ciência e tecnologia é robusto o suficiente para se reerguer, caso a crise seja controlada e debelada rápido. O que não sabemos é quanto tempo essa crise vai durar e por quanto tempo o sistema será afetado pela falta de verbas.
Agência FAPESP – A FAPESP realizou em dezembro de 2012 o simpósio Fronteras de la Ciencia, na Espanha, no qual foram discutidos diferentes aspectos sobre a produção científica dos dois países. Como o senhor vê a possibilidade de intercâmbio entre pesquisadores brasileiros e espanhóis e que resultados isso pode trazer para o desenvolvimento da ciência produzida no Brasil e na Espanha?
Quintanilla – Na Espanha, ficamos muito impressionados com o dinamismo e com a força do sistema científico do Brasil, especialmente das instituições de ensino e pesquisa localizadas no Estado de São Paulo. A oportunidade de desenvolvermos projetos conjuntos e de estreitarmos nossos laços para uma maior colaboração científica é muito importante para nós. Além disso, temos já experiências prévias muito satisfatórias. No caso específico do Instituto de Estudos da Ciência e da Tecnologia e da Fundação 3CIN, alimentamos grandes expectativas de que possamos concretizar, já nos próximos meses, vários programas de colaboração. Isso, tanto no campo da pesquisa como da divulgação de ciência e da tecnologia.
Foto: Miguel Ángel Quintanilha, da Universidade de Salamanca - Unicamp
Fonte: Agência FAPESP
Por Fabiano Ávila
Pesquisadores da União Geofísica Americana (American Geophysical Union – AGU) afirmaram nesta quarta-feira (13) que o volume de gelo no Ártico caiu, entre 2003 e 2012, 36% no outono e 9% no inverno.
Utilizando dados dos satélites CryoSat-2, da Agência Espacial Europeia, para os anos de 2010 a 2012, e do ICESat, da NASA, de 2003 a 2008, os cientistas afirmam ter conseguido mensurar a perda de gelo na região.
“Os dados revelam que o gelo marinho mais espesso desapareceu desde o norte da Groenlândia, passando pelo Arquipélago Canadense, até o nordeste de Svalbard” afirmou Katharine Giles, uma das autoras do estudo.
A descoberta confirma a tendência de declínio na presença de gelo no Ártico já apontado por outros trabalhos, incluindo o reconhecido PIOMAS (Pan-Arctic Ice-Ocean Modelling and Assimilation System).
Os pesquisadores destacam que não mediram a área ocupada pelo gelo e sim seu volume. Dessa forma, seus dados podem ser mais confiáveis do que os fornecidos anteriormente, uma vez que mostram que é real a perda de gelo e não que, por uma razão ou outra, o gelo deixou de se espalhar.
O CryoSat-2 mede o volume do gelo utilizando pulsos de microondas, que refletem na superfície do gelo e na água, tornando possível para os cientistas calcularem o volume dos blocos de gelo depois de conhecerem a altura e o comprimento deles.
As informações conseguidas com esse satélite foram depois comparadas com três fontes independentes: aviões, medições manuais e com dados da NASA.
“Apesar de dois anos de dados do CryoSat-2 não indicarem uma mudança de longo prazo, a redução da espessura do gelo e de seu volume entre fevereiro e março de 2012, comparada com o mesmo período em 2011, pode ter contribuído para o recorde mínimo registrado no outono de 2012”, afirmou Christian Haas, coordenador do estudo.
No dia 16 de setembro, imagens de satélite do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo (NSIDC) dos Estados Unidos mostraram que a capa de gelo do Ártico ficou com 3,42 milhões de km2, a menor extensão desde o início das medições, em 1979.
As consequências do degelo do Ártico são enormes e sentidas em diversas áreas.
Para o clima, o primeiro impacto previsto é o aumento de tempestades de inverno mais rigorosas no Hemisfério Norte, como a recente Nemo que assolou Estados Unidos e Canadá.
Para o ecossistema, o degelo representa a extinção de muitas espécies e mudanças em migrações que afetariam inclusive comunidades locais que dependem da caça e da pesca para sobreviver.
Para a economia, novas rotas comercias pelo Oceano Ártico estão se abrindo e diversos países já as disputam. Também ficam mais acessíveis os recursos naturais da região, incluindo petróleo, e isso pode dar início a uma corrida pela ocupação de áreas que eram até então intocadas.
Fonte: Instituto Carbono Brasil
Reunir informações sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE), ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas das maiores cidades do mundo. Esse é o objetivo de um questionário da organização não governamental britânica CDP que já foi entregue a mais de 30 cidades latino-americanas, das quais 12 são brasileiras, e cujo prazo final para as respostas vai até 28 de março (os resultados serão divulgados em junho).
Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Campinas (SP), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP) receberam em janeiro o convite para participar. Destaca-se também a participação voluntária de algumas cidades, como é o caso de Aparecida do Norte (SP).
Em 2013 foram convidadas mais de 240 cidades no mundo todo, a grande maioria delas foi selecionada com base no critério de maior população. No entanto, qualquer município pode participar – aqueles que não receberam o questionário podem obter mais informações através do e-mail cities@cdproject.net. A equipe local do CDP encontra-se à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas relacionadas ao projeto.
“É muito importante que os municípios divulguem seus dados sobre emissões de gases de efeito estufa e sobre suas ações relacionadas a recursos naturais, como a água, por exemplo”, afirmou Fernando Eliezer Figueiredo, diretor do CDP Brasil. “O CDP Cities oferece uma ferramenta para as cidades divulgarem e, ao mesmo tempo, entenderem riscos e oportunidades provenientes das mudanças climáticas para seus cidadãos e para os negócios locais.”
Segundo Figueiredo, muitos investidores e empresários já enxergam a importância financeira da análise das informações de como as cidades se preparam e combatem os efeitos destas mudanças.
“Para o Brasil, atual palco de diversos eventos e investimentos internacionais, disponibilizar estes dados em projetos de alcance global como o CDP Cities é fundamental”, defendeu o executivo.
Clima e economia – Com ocupação de apenas 2% da superfície da Terra e mais de 50% da população mundial, as cidades enfrentam atualmente um enorme desafio para se transformarem em economias de baixo carbono. Nesse contexto, o CDP Cities, promovido anualmente desde 2011, ajuda a divulgar as ações que são tomadas no sentido de mitigar as mudanças climáticas para promover a transparência com diferentes stakeholders e aumentar a conscientização sobre a importância do tema entre cidadãos e negócios locais.
Em 2012, 73 metrópoles de todo o mundo responderam ao questionário, entre elas, três brasileiras: Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre os dados revelados pelo estudo, descobriu-se, por exemplo, que 82% das cidades identificam potencial de crescimento econômico como resultado do combate e das adaptações provocadas pelas mudanças climáticas.
Mais da metade das cidades que responderam ao questionário em 2012 afirmaram que identificavam oportunidades na criação de empregos verdes e em novas iniciativas de negócios.
Fonte: Ambiente Brasil
Por Elton Alisson
No mundo hoje, há poucos países que lideram os avanços científicos em modelagem climática. A maioria deles – como os Estados Unidos, por exemplo – está no Hemisfério Norte. A Austrália era o único país no Hemisfério Sul que possuía essa capacidade. Após desenvolver por 30 anos modelos climáticos próprios, porém, o país abandonou seus esforços na área e optou por importar e ajudar a aprimorar um modelo do Hadley Centre for Climate Prediction and Research , da Grã-Bretanha.
Agora, o Brasil acaba de preencher essa lacuna deixada pela Austrália e se credenciou ao seleto grupo de países capazes de desenvolver um modelo, validar e simular as mudanças climáticas globais.
Pesquisadores de diversas instituições, integrantes do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), da Rede Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Mudanças Climáticas (INCT-MC), concluíram a versão preliminar do Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM, na sigla em inglês).
Alguns dos primeiros resultados de simulações feitas com o novo modelo foram apresentados no Workshop sobre o BESM, realizado no dia 19 de fevereiro, na FAPESP.
“A opção do Brasil de enfrentar o desafio de desenvolver seu próprio modelo de sistema climático global, em vez de importar um modelo pronto e aplicá-lo, foi feita com o objetivo estratégico de construir uma rede de pesquisadores capazes de atuar em todas as dimensões da construção de um modelo desta natureza, como no desenvolvimento, validação e simulação”, disse Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e um dos idealizadores do BESM.
“Como nós temos uma comunidade científica atuante no desenvolvimento e integração dos componentes de um modelo do sistema terrestre de boa qualidade, mas ainda incipiente numericamente, não poderíamos dar um passo como o da Austrália – que tem uma enorme competência em modelagem climática e uma grande comunidade de pesquisadores especializados em todos os aspectos relacionados ao clima – de aprimorar um modelo em parceria com outro país”, explicou Nobre.
De acordo com Nobre e outros pesquisadores presentes ao evento, uma das principais contribuições do novo Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre para os esforços internacionais de avanço das ciências climáticas, ambientais e atmosféricas será olhar para algumas questões particulares do Hemisfério Sul e representar alguns processos ambientais importantes para o Brasil e outros países da América do Sul que são considerados secundários nos modelos climáticos internacionais.
Entre essas questões, estão as queimadas, capazes de intensificar o efeito estufa e mudar as características de chuvas e nuvens de uma determinada região, por exemplo, e o desmatamento da Amazônia.
“Como é a própria comunidade científica brasileira na área de modelagem climática que desenvolve esse novo modelo do sistema terrestre, é mais lógico e até mais fácil, de certa forma, ela introduzir a modelagem desses fenômenos que são mais típicos da América do Sul”, avaliou Nobre.
A ideia do BESM, segundo Nobre, é ser uma plataforma aberta, em que várias hipóteses de processos que acontecem na América do Sul, no Oceano Atlântico e na Antártica, por exemplo, possam ser testadas pelos pesquisadores de áreas relacionadas às ciências climáticas e ambientais.
“O objetivo foi construir um modelo climático com competência brasileira que seja incorporado como uma contribuição do país para a construção de um sistema global de modelagem do sistema terrestre, como se pretende criar nos próximos anos”, disse Nobre.
“No futuro haverá um sistema global de modelagem do sistema terrestre por meio do qual será possível montar um modelo climático por módulos que interessem a um pesquisador para testar suas hipóteses”, estimou.
O Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre também deverá ser utilizado para a definição de políticas públicas no Brasil de adequação do país aos impactos das mudanças climáticas globais.
De acordo com o Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de Eventos Climáticos e Desastres (SREX, na sigla em inglês) – divulgado recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) –, nas últimas décadas aumentou a frequência dos eventos climáticos extremos no mundo em função das mudanças climáticas.
No final de março de 2004, por exemplo, a região Sul do Brasil foi atingida pelo furacão Catarina – o primeiro de classe 1 (com ventos de 119 a 153 quilômetros por hora e elevação do nível do mar de 1,2 a 1,6 metro) registrado no país.
“O novo modelo também tem a finalidade de melhorar as condições de previsão de clima sazonal no Brasil”, disse Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos coordenadores do projeto.
Segundo o pesquisador, o desenvolvimento do novo modelo possibilitou melhorar a previsão de precipitação (chuva) no Atlântico Sul e na América do Sul.
“É muito difícil melhorar a previsibilidade de precipitação no Atlântico Sul. Mas, como o novo modelo, houve um aumento generalizado da melhoria da previsão tanto de temperatura da superfície das águas do Atlântico Sul como da América do Sul”, afirmou.
Outro resultado da implementação do modelo foi a constatação de que o desmatamento da Amazônia aumenta a possibilidade de ocorrência de El Niño (fenômeno caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, capaz de afetar o clima regional e global).
“Este foi um resultado antecipado que o modelo já pode verificar mesmo sendo uma versão preliminar, de baixa resolução”, disse Paulo Nobre. Segundo o pesquisador, o modelo também é capaz de prever a capacidade de formação de chuva da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) – uma região com uma extensa faixa e bandas de nuvens formadas desde a Amazônia, Brasil Central e Sudeste até o Oceano Atlântico – que os modelos existentes até então eram incapazes de prever.
O Brasil ainda passou a ter a capacidade de executar a previsão da extensão de gelo marinho do planeta.
“Pela primeira vez no país existe capacidade de prevermos o avanço e a retração do gelo marinho não só no Hemisfério Sul, onde existe uma grande dificuldade de realizar previsões de extensão de gelo, como em outras parte do planeta”, disse Paulo Nobre.
“O modelo tem previsto, por exemplo, os últimos recordes de diminuição da extensão do gelo do Ártico, o que nos dá sinais de que estamos no caminho certo”, avaliou.
O novo modelo foi construído a partir da experiência em modelagem climática implementada no Brasil a partir da década de 1990 com a criação no Inpe do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).
A fim de desenvolver o projeto, os pesquisadores utilizaram um modelo climático acoplado (unido) de oceano e atmosfera desenvolvido pelo CPTEC há mais de uma década e introduziram nos últimos anos outros componentes, como vegetação dinâmica, hidrologia continental, ciclo de carbono dos oceanos e gelo marinho.
Para integrar esses diferentes componentes do modelo, os pesquisadores utilizam o supercomputador Tupã, instalado no final de 2010 no CPTEC, em Cachoeira Paulista (SP), com recursos da FAPESP e do MCTI.
As simulações brasileiras foram submetidas ao Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados, Fase 5 (CMIP5, na sigla em inglês), que deverá ser utilizado pelo IPCC para balizar seu quinto Relatório de Avaliação (AR 5, na sigla em inglês), previsto para ser publicado no final de 2014.
“O modelo deve inaugurar a participação brasileira nos cenários globais de mudanças climáticas do CMIP5 e do AR 5”, disse Paulo Nobre.
Foto: ciclone tropical na costa brasileira em 2004 - NASA/GSFC
Fonte: Agência FAPESP