Entrevista com Rajendra Pachauri

Rajendra Pachauri, Nobel da Paz e presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC),  fala sobre a importância da mitigação da mudança do clima para a paz mundial; os desafios do Brasil contra o desmatamento; o trabalho conjunto entre política e ciência; e as macrosoluções para o problema.

O especialista também avalia a questão dos biocombustíveis; e a cobertura da mídia no tema. A entrevista foi gentilmente cedida pelo Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade e à empresa Atitude Brasil.

Transcrição: 

Entrevistador: Professor Pachauri, você e o IPCC são laureados do Prêmio Nobel da Paz. Como a luta contra a mudança climática pode ser importante para um mundo mais pacífico?

Rajendra Pachauri: Se permitirmos que a mudança climática continue sem abatimento e sem mitigação, teríamos diversas situações de perturbação à paz e segurança. Isso pode ocorrer por meio da competição por recursos escassos, como a água, que será altamente disputada em várias partes do mundo. Isso pode ser por meio da falta de segurança alimentar, onde vemos pessoas sendo mortas na África do Sul e em outros lugares. Logo, se nós deixarmos essa situação escalonar, então claramente teremos o potencial de afetar a paz e a segurança. Por último, mas não menos importante, temos o problema da elevação do nível do mar, o qual ameaça a existência de todos pequenos Estados insulares e uma vasta extensão de áreas costeiras ao redor do globo. Por isso, é extremamente importante olhar a relação entre paz e mudança climática.

Entrevistador: O desmatamento da floresta tropical Amazônica torna o Brasil o quarto maior responsável por emissões e o governo brasileiro está enfrentando muitas dificuldades para reduzir essas taxas. Como você vê uma ação conjunta com outros países na luta contra o desmatamento? Como pode se dar essa cooperação?

R. P.: Basicamente, esse é um desafio que o próprio Brasil tem que enfrentar, sendo a mesma situação para outros países que possuem grandes florestas tropicais (como países no Sudeste Asiático e em partes da África). O que eles deveriam fazer é facilitar e ajudar outros que estão tomando as ações certas. Sobretudo, é necessário haver uma decisão e um esforço por parte do povo brasileiro e do governo desse país. Eu não acho que o resto do mundo pode ajudar muito em proteger essas florestas tropicais.

Entrevistador: A Política pode ser um aliado ou um inimigo da Ciência em assuntos como esse. Como você avalia esse cenário hoje em dia? A política está ajudando ou não?

R. P.: O IPCC funciona de uma maneira que requer a aprovação de todos os governos membros do Painel sobre cada um dos nossos “sumários para elaboradores de políticas”. Isso diz respeito ao resumo de cada um de nossos relatórios, palavra por palavra. Essa é uma difícil e longa tarefa, mas o benefício, no final, é que todos os governos têm que aceitar e têm aceitado as recentes descobertas do IPCC. Nesse sentido, o Painel encontra-se em um posto único, onde a Política e a Ciência unem-se. Está para os políticos usarem essa Ciência, e isso de fato tem sido feito sob a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima. Foi isso que ocorreu na Conferência das Partes de Bali. E eu espero que a mesma coisa venha a acontecer nas duas próximas Conferências das Partes. A Ciência irá conduzir as negociações e o acordo que nós conseguirmos.

Entrevistador: Nós temos um consenso crescente em torno da idéia de que mudança climática possui causas antropogênicas, mas o consenso não é alcançado quando discutimos as soluções. Na sua opinião, quais são as principais macrosoluções que a Ciência enfatiza nesse momento para o mundo?

R. P.: Eu diria que o consenso virá a partir da aceitação de que, se nós não tomarmos ação agora, os efeitos e os impactos da mudança do clima serão desastrosos para todos, para o mundo inteiro. Isso deve ser a nossa força motivadora. Mas baseado nessa percepção, eu diria que é muito importante que os governos tomem as ações certas. Uso mais eficiente de energia e distanciamento do uso de combustíveis fósseis – e hoje isso se torna mais ainda importante porque o preço do petróleo está a mais de 130 dólares o barril. O benefício de tomar todas essas ações é que você cria também benefícios locais, como segurança energética, menos poluição no nível local, mais empregos por causa da nova energia sendo utilizada em áreas rurais e assim por diante. O que nós realmente necessitamos é uma mudança contrária à crescente dependência de combustíveis fósseis. Em uma palavra, acredito que isso seja a mais importante ação que precisa ser tomada.

Entrevistador: E como você avalia a discussão sobre biocombustíveis que existe nesse momento?

R. P.: Quanto aos biocombustíveis, qualquer solução que requeira uma redução na oferta de alimentos e de grãos não é uma boa solução. Eu diria que a conversão de milho em etanol ou a conversão de óleo de palmeira em biocombustível não é de fato uma boa abordagem. Nós deveríamos buscar aquelas opções e soluções onde não há conflito entre produção de alimentos e produção de combustíveis. Esta é uma área onde nós também precisamos de muita pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, para a conversão secundária de material celulósico em combustíveis. Então, o desenvolvimento de soluções de combustíveis secundários é onde nós deveríamos estar nos focando.

Entrevistador: É muito caro mitigar ou adaptar?

R. P.: Não é de forma alguma caro. Aliás, no Quarto Relatório de Avaliação do IPCC, nós demonstramos claramente esses custos, que são muito baixos. E se você adicionar os benefícios dos chamados “co-benefícios no nível local”, em alguns casos, os custos podem ser inclusive negativos. A sociedade beneficiaria-se dessas ações. Eu acho que é um mito e informação completamente errada dizer que os custos da mitigação serão altos. Eles serão qualquer coisa menos altos.

Entrevistador: O mercado de carbono e emissões irá transacionar por volta de 45 bilhões de dólares esse ano. Você acredita que essa é uma boa solução?

R. P.: Eu penso que é uma boa solução. Estou certo que há muita melhoria que ainda pode ser feita nos sistemas e procedimentos pelos quais esse mercado funciona. Mas eu vejo o mercado de carbono transacionando globalmente nos próximos anos. Penso que ele tem muito mérito porque, colocando um preço no carbono, estar-se-ia criando um incentivo para empresas e governos investirem em novas pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias. Até o consumidor irá reagir a esses preços porque, se existe um preço no carbono, o consumidor mover-se-á em direção a soluções, produtos e processos de baixa intensidade em carbono. É importante perceber que nós temos um preço sobre o carbono e que se nós temos um mercado para comercializar carbono, esse preço irá aumentar e emergir em um período de tempo.

Entrevistador: Você e o IPCC estão alertando o mundo desde 1998. Somente recentemente esses alertas estão sendo ouvidos com mais cuidado. Por que essa mudança aconteceu? Por que agora você está sendo tão considerado?

R. P.: Existem duas razões. Primeiro, o Quarto Relatório de Avaliação do IPCC é um relatório muito robusto. Ele foi lançado com muitas descobertas que claramente vão além do que os relatórios anteriores foram capazes de identificar, porque o conhecimento progrediu e aumentou. A segunda razão é que eu estou deliberadamente espalhando a mensagem. Esta é a razão por eu estar aqui em Brasília. Não é suficiente somente produzir um bom relatório; nós temos que informar o público sobre as descobertas desse relatório. E eu acho que isso está surtindo efeito também.

Entrevistador: Qual é a importância da mídia de notícias nesses temas? Como você avalia a cobertura hoje em dia?

R. P.: Eu estou maravilhado com a cobertura que nós estamos conseguindo e eu tenho que dizer que a mídia tem um papel extremamente importante para mim, porque é somente informando o público que nós podemos trazer mudanças na direção certa. Portanto, eu diria que a mídia deveria certamente receber muito crédito pela conscientização que tem aumentado nos últimos anos. E o papel da mídia irá se tornar ainda mais importante no futuro. Eu estou inteiramente otimista. É isso que me mantém trabalhando. Eu consigo ir ao redor do mundo, não me cansar, dormir muito pouco, e continuo otimista e é por isso que eu aprecio isso.

Entrevistador: Muito obrigado.

Fonte: http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/content/rajendra-pachauri

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