Crise nas alturas andinas

A água doce proporcionada pelas geleiras andinas está em perigo por causa do aquecimento global

Por Stephen Leahy

As áreas montanhosas dos países andinos fornecem água às cidades do litoral, abrigam biodiversidade e são barreiras naturais, mas o aquecimento global ameaça estas regiões, habitadas por milhões de pessoas. “O retrocesso das geleiras é nítido, e algumas comunidades dizem que o clima está mudando. As precipitações estão mais instáveis, e nas cidades da costa há problemas de abastecimento de água”, resumiu ao Terramérica o ministro peruano do Meio Ambiente, Antonio Brack.

No Peru, Equador, Chile e na Bolívia as geleiras são a fonte principal de água doce, e seu derretimento causa, entre outras consequências, menor disponibilidade para as cidades de vales e zonas costeiras. A superfície total dos gelos montanhosos peruanos caiu 22% nos últimos 35 anos, com redução do volume de água de 12%, segundo o Conselho Nacional do Meio Ambiente do país.

Diante das ameaças que pairam sobre as alturas, as nações da região criaram o Consórcio para o Desenvolvimento Sustentável da Ecorregião Andina (Condesan), vinculado à Aliança para as Montanhas, criada em 2002. Até agora, 50 países, 16 organizações intergovernamentais e 107 organizações da sociedade civil formam a Aliança, apoiada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

“Estamos executando programas para prevenir incêndios nos páramos, conservar os mangues e melhorar a administração dos sistemas de água fresca”, descreveu ao Terramérica o vice-ministro de Mudança Climática do Ministério do Meio Ambiente do Equador, Marco Chiu. A proteção das áreas montanhosas foi um tema de destaque da 16ª Conferência das Partes (COP 16) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que terminou no dia 10, em Cancún, no México.

Nas regiões secas de Argentina, Chile, Peru e Ásia central, onde há pouca chuva, as geleiras em retrocesso causarão um impacto muito maior na disponibilidade de água do que na Europa ou em regiões da Ásia. Isto é o que afirma o informe “As Geleiras de Alta Montanha e a Mudança Climática: Desafios para os Meios de Vida Humanos e a Adaptação”, apresentado em Cancún pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Desde 2008, o Equador executa um programa de adaptação e uso da água, com 13 planos-piloto em seis províncias, apoiado pelo Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Por sua vez, o Peru está prestes a aprovar um plano para de adaptação à mudança climática, que obterá validade legal em janeiro e se somará à estratégia nacional aprovada em 2003.

Desde 2008, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia desenvolvem um Projeto de Adaptação ao Impacto do Retrocesso Acelerado de Geleiras nos Andes Tropicais (PRAA), com apoio do Banco Mundial. “Todas as regiões foram afetadas. As comunidades estão desinformadas. Deve existir um processo de apropriação dos estudos para participar da tomada de decisões”, disse ao Terramérica a indígena quéchua Tarcila Rivera, coordenadora do Enlace Continental de Mulheres Indígenas, presente na COP 16, junto com Antonio Brack e Marco Chiu.

Declarado em 2002 pelas Nações Unidas como Dia Internacional das Montanhas, o 11 de dezembro desta vez foi dedicado aos povos indígenas e às minorias que habitam estas áreas altas. “Há debilidades nos dados, medições insuficientes, pouca experiência e ferramentas metodológicas insuficientes para calcular a vulnerabilidade. O plano deve ser aquele que nos oriente para o que vamos fazer contra a mudança climática”, disse ao Terramérica o peruano Edwin Mansilla, coordenador da Unidade Operacional de Mudança Climática do Governo Regional de Cusco.

Esta região de quase 72 mil quilômetros quadrados, habitada por 1,1 milhão de pessoas, possui um quarto das geleiras peruanas, das quais 30% derreteram, segundo a administração regional. As comunidades se preocupam com a situação da água e o cuidado dos bofedais, mangues de altitude que fornecem alimento às alpacas (Vicugna pacos). Estes mamíferos nativos dos Andes são fonte de renda para os habitantes dessas áreas devido à lã que fornecem para fabricar tecidos e roupas.

“Os conhecimentos tradicionais indígenas devem ser reconhecidos e aplicados, porque os povos sobrevivem com estes saberes”, disse Rivera. A análise do Pnuma sugere melhorar os padrões de precipitação e efeitos sobre a disponibilidade de água, em particular nas regiões de montanha da Ásia e América Latina.

Fonte: Instituto Carbono Brasil

Foto: National Geographic/fotógrafo: Sam Abell

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