Painel coordenará estudos na área do clima, afirma Suzana Kahn

Nos dias 21 e 22 de junho o Rio de Janeiro abrigou a primeira reunião de autores do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). As discussões foram coordenadas por Suzana Kahn, presidente do comitê científico do órgão, lançado oficialmente em novembro de 2009. Nesta entrevista exclusiva ao JC, a exsecretária nacional de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) fala sobre a experiência do PBMC. Para Suzana, o órgão fortalecerá o Brasil nos fóruns internacionais de combate ao aquecimento global. Por Marcelo Medeiros.

 

A função do painel é consolidar o conhecimento brasileiro sobre mudanças climáticas e gerar recomendações para os formuladores de políticas. Nesta entrevista, Suzana Kahn aponta os principais desafios do PBMC e as expectativas para as próximas discussões internacionais sobre mudanças climáticas, que acontecem em Cancún, México, em outubro.

Como foi a experiência no Ministério do Meio Ambiente?

Lá percebi (e aí está a razão de ser do Painel) um gap muito grande entre o que se produz em termos de ciência e a tomada de decisão. O Brasil está bem avançado em produção científica, mas isso não se traduz em políticas. Isso ficou evidente quando começamos a trabalhar no Plano Nacional de Mudanças Climáticas. Há vários estudos, mas sem costura. Por mais bem intencionado que seja o político, ele não consegue digerir toda aquela informação, até porque há divergências entre os textos. É preciso uma análise mais criteriosa e isenta para dar informação mais mastigada a quem toma decisão.

Esse é o papel do painel?

- Exercemos esse papel no ministério, mas ele foi insatisfatório. Não só por sermos uma equipe pequena, mas também por não termos tanta representatividade. Eu não posso, como pessoa, selecionar o que é importante e entregar ao governo. É preciso algo mais institucional, algo que faltava na área de clima.

Por quê?

-O assunto não é completamente novo, mas no Brasil é, principalmente no governo. Temos pessoas trabalhando há muito tempo na área, mas até hoje isso não está no coração do governo.

Não melhorou ultimamente?

- Houve um salto, principalmente na sociedade, em relação à preocupação com o aquecimento global. Mas o viés romântico de meio ambiente, a impressão 'bicho-grilo', é difícil de mudar. Estamos falando de uma questão de desenvolvimento e não da questão ambiental stricto sensu.

Essa impressão continua, mesmo com toda a exposição dos problemas na mídia?

- É um processo lento. O meio ambiente ainda é visto como contraponto ao desenvolvimento e não se incorporou como uma forma de desenvolvimento. Não há culpados por isso, de fato é algo novo.

O que dificulta a compreensão?

- A visão muito apaixonada. Há sectarismo de ambos os lados e,por isso, não se avança por um caminho do meio. A discussão emotiva até é interessante, mas atrapalha o debate sobre um desenvolvimento que considere a preservação dos recursos naturais como uma questão econômica. Não é conservar pelo prazer de conservar, mas por saber que aquilo tem valor, é um ativo e não um passivo.

O painel pode dar mais legitimidade a essa posição?

- O painel é fruto de uma portaria interministerial entre o MMA e o Ministério da C&T, porém quem escreve os relatórios são cientistas independentes. No momento estamos fazendo o escopo do relatório, discutindo como será o sumário executivo. Este é debatido por uma plenária de membros do governo, de modo similar ao do IPCC, no qual o sumário é chancelado pelos países. Esse processo vai gerar um link com as políticas que o Brasil vai tomar, pois elas não poderão desdizer o que está escrito no relatório.

Falta coordenação ao governo?

- Sim, falta algo mais abrangente que dê um norte. O painel vem suprir essa lacuna, ao unir e avaliar as pesquisas, ver se há divergências e por quê. Com ele também será possível ver o que não está sendo estudado, estimular complementaridades.

Como ele poderia ser utilizado na prática?

-Essa discussão sobre o Código Florestal, por exemplo. É um assunto polêmico, para o qual poderia haver subsídios.

O painel foi criado em maio de 2009 e oficializado em novembro. Quando ele começa a funcionar de fato?

- A primeira reunião aconteceu em abril deste ano e nos dias 21 e 22 de junho realizamos a primeira reunião com os autores do relatório. São cerca de 100 envolvidos. A previsão é que tudo esteja pronto em 2012. Como os relatórios do IPCC devem ser publicados em 2013, precisamos do nosso pronto a tempo.

Há grande pressão sobre o IPCC devido aos erros em seu relatório. Que cuidados estão sendo tomados para que o mesmo não aconteça aqui?

- Teremos um corpo de revisores bolsistas DTI [Desenvolvimento Tecnológico e Industrial, uma das maiores do CNPq] para ler o texto em dedicação exclusiva. Haverá ainda uma "comissão de notáveis" que possa identificar problemas. Todos se reportam a mim.

Como será o diálogo entre o painel brasileiro e o IPCC?

- Ao criarmos o painel, as iniciativas ficam coletivas, tanto interna quanto externamente. Cada fase do relatório do IPCC é enviada para o ponto focal dos países e essa pessoa decide enviar o documento para outras. As críticas, então, não são institucionalizadas. Nossa ideia é assumir esse papel [de institucionalização].

Qual seria a vantagem?

- Quando se enviam comentários ao IPCC, é obrigatório ter respostas e fundamentá-las. O Brasil manda poucos comentários, justamente por não ter essa interlocução. Com o painel, será possível exigir respostas.

As eleições podem influenciar o painel?

- Não, pois ele já está andando. Uma vez que foi criado e as pessoas foram nomeadas até 2012, não há mais interferência. Pior que ano de eleição não fica.

Há uma rede científica de mudanças climáticas de Brasil, África do Sul, Índia e China se formando. Como está?

- No momento, estamos conhecendo nossas contrapartes. Na África do Sul, será a Universidade da Cidade do Cabo; na China, em Xinghua; na Índia, há vários grupos trabalhando, mas ainda não foi definido com qual o ministro trabalhará. Além de fazer um bom trabalho, é bom que haja entrada nos governos.

É possível alcançar um posicionamento conjunto em relação às mudanças climáticas?

- Sim, porém não em Cancún [onde acontece a próxima reunião das Nações Unidas sobre mudanças climáticas], pois o grupo é muito heterogêneo. De qualquer maneira, acredito que a saída para chegarmos a um acordo é termos subgrupos chegando a consensos e, a partir daí, resolver problemas maiores. Tentamos fazer algo de cima para baixo e ficou claro que não dá certo, então é melhor mesmo fazermos de baixo para cima. Acho que o grupo do Basic tem muita chance de dar certo.

Mesmo a China tendo uma posição divergente?

- Poderíamos contemporizar e arrumar uma saída. A China está fazendo muita coisa, apenas não quer que as pessoas lhe digam o que fazer. Eles estão investindo muito na redução da intensidade de carbono e não no corte em si. É uma dificuldade que temos de comparar esforços.

O que esperar da Conferência das Partes (COP-16) de Cancún, que acontece em outubro?

- Acho que se conseguirmos avançar na questão de Redd (Redução de Emissões causadas por Desmatamento e Degradação), será uma boa notícia. Pode ser que avancemos bastante. O resto deve ficar para a Cidade do Cabo (COP-17, em 2011), pois implicaria mudanças mais abrangentes para as quais ainda não estamos preparados.

Há projeções de grande crescimento para os próximos anos. Caso elas se concretizem, será possível cumprir o Plano Nacional de Mudanças Climáticas?

- Acho que sim, pois colocamos todas as fichas na redução do desmatamento. Claro que, havendo maior crescimento, há maior pressão para se usar terras, mas isso você consegue conter. Não é preciso desmatar para crescer. As principais políticas são independentes de crescimento. As que dependem mais são energia e atividade industrial, que representam pouco no nosso perfil de emissões.

Como se dá o apoio ao desenvolvimento científico do país?

- Poderia ser mais bem organizado, porém é bom. Há iniciativas, mas falta orientação. Ideias surgem espontaneamente, mas boa parte pode ser induzida. Houve indução com o pré-sal e o etanol. Em tecnologias de mitigação por exemplo, se houver indução, nos tornaremos líderes.

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