Um dos temas centrais da 22ª edição da Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP22), que começa hoje (7) em Marrakesh (Marrocos), o mercado de carbono tornou-se pilar dos esforços internacionais para incentivar reduções de gases de CO². Um grupo de acadêmicos, ambientalistas e ativistas sociais vem questionando a supervalorização que lideranças mundiais dão à precificação do carbono como solução para os problemas do aquecimento global.
No Brasil, representantes de comunidades localizadas em regiões ricas em recursos naturais relatam sofrer com o assédio de empresas voltadas para atividades econômicas florestais.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém (PA), Manuel Edvaldo Santos Matos, contou que as redes de comunidades indígenas, camponeses e populações tradicionais têm resistido à implantação de projetos de comercialização de créditos de carbono florestal na Unidade de Conservação Tapajós-Arapiuns, de mais de 640 mil hectares de floresta. Um projeto que estava sendo articulado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Ministério do Meio Ambiente e organizações internacionais de gestão e conservação de florestas e de financiamento de negócios sustentáveis foi suspenso depois que indígenas ocuparam a sede do instituto em Santarém, em agosto de 2015.
“Tentaram impor um projeto que impede a população de exercer as atividades produtivas no território de forma sustentável. Além disso, muitos ali são nômades, a floresta para eles não tem fronteiras e precisa da terra para sobreviver”, comentou.
Na época, o projeto já contava com investimento inicial de R$ 385 mil da iniciativa privada, disse Matos. “O dinheiro não iria diretamente para as comunidades, mas para os cofres do governo. E de lá não teríamos o controle desse destino. Mas ainda não acabou. Estão retornando com essa discussão”, lamentou. “As comunidades temem ser proibidas de exercer as atividades produtivas de manejo dos recursos naturais, plantar mandioca, milho e outras culturas de subsistência. Precisamos é de regularização fundiária para acabar com os conflitos de terra, ter acesso à saúde e educação, à assistência técnica e política para a gente poder viver da nossa produção”, declarou.
O ICMBio informou que “nunca existiu qualquer projeto de geração de créditos de carbono. Apenas foi iniciada uma discussão com as comunidades sobre o tema, que não avançou por motivos diversos”.
Para a raizeira de Turmalina (MG) Lourdes Cardozo Laureano, a biodiversidade e o conhecimento não podem ser precificados. “Vemos que há uma disputa pela biodiversidade do Cerrado, que é muito rica, como também o nosso conhecimento, muito ligado ao patrimônio genético. Vemos com desconfiança essa economia verde, que prioriza o dinheiro, o valor de mercado”, declarou. “Tratamos da saúde da comunidade usando as plantas e raízes do cerrado. Conhecemos o perfil de saúde e doença das famílias, a mulher que teve parto difícil, a que o marido passou doença para ela, a família que tem dificuldade com segurança alimentar. Esse conhecimento e o uso sustentável da natureza não têm preço, mas é muito valioso”, afirmou.
Financeirização da Economia
A valoração do meio ambiente com mecanismos tradicionais de mercado foi tema de palestra promovida pela Fundação alemã Heinrich Böll Brasil, no Rio de Janeiro, no fim de outubro. Os conferencistas defenderam que a lógica da economia verde, baseada na métrica do carbono, causa mais danos do que benefícios ao meio ambiente e aos cidadãos do planeta.
Coautor do livro Crítica à economia verde, o pesquisador alemão Thomas Fatheuer declarou no encontro que os métodos utilizados até o momento de redução de emissões não lograram frear a devastação das florestas nem a poluição. “E ainda estão impulsionando o uso de tecnologias arriscadas e prejudiciais, como a energia nuclear, sob a alegação de que emitem menos carbono. Um estudo recente aponta que mais de 60% da produção mundial de óleo de palma estão sendo queimados para servir de combustível, florestas sendo queimadas na Indonésia para diminuir as emissões na Europa”, disse ele.
“Os caminhos para diminuir as emissões de CO² estão sendo traçados pelo mercado e não pelos cidadãos. Essa é a grande falha da economia verde”, afirmou Fatheuer. Uma das saídas para o problema, defendeu, é a abertura de espaços políticos para cidadãos evitarem violações e distorções ocasionadas pela ganância das empresas e a maior democratização das riquezas, para que a economia volte a servir ao ser humano, e não ao contrário.
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As cidades brasileiras são vulneráveis à mudança do clima, deficientes para lidar com situações de emergência e quase sem políticas de sustentabilidade. Para piorar o quadro, há falta de sintonia entre os planos nacionais e o que acontece nos centros urbanos.
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No dia 08 de novembro, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) organizou o evento "Mudanças Climáticas e Cidades", durante a 22a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em Inglês), em Marraquexe, Marrocos.
A Presidente do Comitê Científico do PBMC, Profa. Suzana Kahn fez uma apresentação sobre os principais resultados do Relatório Especial “Mudanças Climáticas e Cidades”, que foi previamente lançado durante o evento, e o Pesquisador Jose Marengo apresentou o escopo e resultados preliminaries do Relatório Especial “Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, que será lançado no 1º trimestre de 2017. O evento contou com o apoio do Ministério do Meio Ambiente e da KPMG Brasil.
Um relatório que será apresentado por pesquisadores da UFRJ (federal do Rio) durante a COP-22 - a conferência do clima da ONU, que começa nesta segunda-feira no Marrocos -, alerta prefeitos para impactos dramáticos do aquecimento em cidades brasileiras.
Segundo os pesquisadores do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), os municípios que não mudarem a forma com que lidam com água, transportes e gestão de lixo e resíduos enfrentarão problemas como desabastecimento e energia, hospitais superlotados, inundações e desmoronamentos, com impactos mais fortes nas regiões mais pobres.
À BBC Brasil, a engenheira Suzana Kahn, uma das autoras do estudo, diz que nota um abismo entre as discussões globais sobre clima, feitas hoje em cerimoniosas reuniões entre diplomatas, parlamentares e chefes de Estado, e a "vida real" das cidades. "Há uma frustração. É tudo muito lento e isso gera um pouco de desânimo para quem acompanha. Se cria uma expectativa de solução e não é fácil mesmo. Coisas importantes acontecem, mas elas são pouco perceptíveis de longe", diz Kahn. Por isso, ela explica, o estudo brasileiro analisou centenas de documentos e se concentra nas cidades e responsabilidades de prefeitos para consequências já perceptíveis do aquecimento global. "Os centros urbanos são responsáveis pelo consumo de 70% da energia disponível e por 40% das emissões de GEE", afirma o relatório. "As prefeituras precisam não apenas de inventários e propostas. Ainda estamos muito distantes da ação e isso tem que mudar", completa Kahn.
No Nordeste, por exemplo, a vazão menor de rios como o São Francisco e a migração acelerada para zonas urbanas contribuem para apagões que, por sua vez, trazem aumento de preços e falta d'água. No Sul e Sudeste, o aumento do calor e das chuvas provoca enchentes e epidemias, como a explosão do vírus Zika e de doenças respiratórias. "Os poderes municipais, locais, precisam estar em sintonia com os países. Não tem sentido o Brasil traçar um plano de ação sem ter em conjunto os planos de cada município, que é onde estão as pessoas expostas aos riscos", diz a cientista.
Desafios da COP-22
A última grande decisão mundial sobre clima foi tomada no ano passado, quando 195 países e a União Europeia ratificaram o Acordo de Paris, se comprometendo a manter o aumento da temperatura média do planeta "muito abaixo de dois graus" em relação aos níveis anteriores à industrialização. Hoje, segundo o Observatório do Clima, corremos o risco de chegar a 2030 com o aumento "numa trajetória de 3ºC, algo incompatível com a civilização como a conhecemos". "Está todo mundo contente, foi ratificado o Acordo de Paris e isso eleva o ânimo da tropa", afirma a pesquisadora da UFRJ. "Mas pôr isso em funcionamento é outra história." A principal missão da COP-22 será definir uma data-limite para que se decidam as regras de aplicação do acordo. Um dos principais desafios é a obtenção de um consenso sobre como os compromissos firmados por um país poderão ser fiscalizados pelos demais. "Como regular, como reportar as reduções, como fazer a contabilidade financeira do fundo. Essa COP-22 é a primeira a discutir essas regras. Ela não vai trazer nenhum resultado, não vai ter 'notícia' nenhuma. São movimentos incrementais, discussões sucessivas que vão construindo o processo." Daí, diz Suzana Kahn, a importância de compartilhar responsabilidades com prefeituras, que estão na ponta deste processo. Entre as sugestões práticas para prefeitos estão mudanças urbanas que permitam a redução de viagens motorizadas e o deslocamento de mercadorias (levar empregos do centro para os bairros onde as pessoas vivem, por exemplo), incentivo ao uso de bicicleta e uso de biocombustíveis. O relatório também destaca mudanças que podem ser estimuladas dentro de casa. "Desligar equipamentos quando não houver uso, manter fechados os ambientes com temperatura condicionada e dimensionar adequadamente velocidade de ventiladores e temperatura de condicionadores de ar; desligar aparelhos em standby, usar "tomadas inteligentes", que possuem interruptores próprios pode facilitar essa ação, substituir lâmpadas fluorescentes por LED; construir e reformar casas, considerando uma participação maior de iluminação natural", entre outros. "É preciso se aproximar do cidadão, da população. Quando se fala de metas, é difícil o engajamento da sociedade, até para cobrar."
Crise ajuda a atingir metas, diz estudo
A estimativa das Nações Unidas é de que 91% da população brasileira viva em regiões urbanas nos próximos três anos - no último Censo, de 2010, o índice era de 84%. O problema é que, hoje, segundo o relatório dos pesquisadores da UFRJ, mais da metade dos municípios já precisa de novas fontes de água. Enquanto isso, até 2030, segundo os pesquisadores, "estima-se um aumento de 9% no consumo de eletricidade no setor residencial e de 19% no setor de serviços". Os impactos das mudanças climáticas na saúde são os mais alarmantes. "O aumento de inundações e secas causará efeito devastador sobre a saúde, especialmente nas pessoas que vivem em comunidades mais sensíveis", diz o estudo. "Com esse cenário, doenças como malária e dengue, mais incidentes nos países de clima tropical, são alguns dos problemas de saúde pública decorrentes do aquecimento global. As intensas ondas de calor também podem ter impacto nas doenças crônicas, como problemas cardiovasculares", prossegue o texto.
A ironia é que a crise econômica tem ajudado a desacelerar os impactos destas transformações. "É por conta dela (da crise) que provavelmente vamos atingir nossas metas com mais facilidade. Crise reduz consumo, reduz energia... isso diminui a pressão sobre o uso dos nossos recursos naturais."
'Estado gasta muito e mal no Brasil'
Ao ratificar o acordo de Paris, o Brasil se compromete a cortar emissões de gases em 37% até 2025 e se propõe a aumentar a redução para 43% em 2030, tudo em comparação com níveis de 2005.
O país também se comprometeu a reconstruir 12 milhões de hectares de florestas e levar o desmatamento da Amazônia Legal (como o governo denominou uma área que abriga todo o bioma Amazônia brasileiro e partes do Cerrado e do Pantanal e engloba os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão) a zero até 2030. Mas como investir em tudo isso em meio à maior crise financeira e política dos últimos tempos? A pesquisadora explica que a maior parte das transformações não exige investimentos gigantes, como a construção de novas usinas ou redes de metrô. "Há uma série de lobbies no Brasil, uma forma muito tradicional de fazer política sem pensar no interesse coletivo. E sempre se olha para um horizonte de muito curto prazo. Estas são coisas que ultrapassam quatro anos de mandato", diz. "Se você pegar o orçamento inteiro de uma cidade, verá a quantidade de dinheiro que vai para manutenção da máquina do Estado. O Estado gasta muito e gasta mal com ele mesmo. Investir em gestão de recursos naturais e resíduos não vai impactar tanto nos recursos municipais."
"A questão é muito mais política que financeira", conclui.
Fonte: G1