
BRASÍLIA - “Vastas regiões do Brasil poderão se tornar perigosas para a população caso o aquecimento global ultrapasse o limite extremo de 4°C em relação à era pré-industrial.” É assim que começa o sumário executivo de um estudo inédito sobre os riscos das mudanças climáticas no país em cenários de temperaturas mais elevadas ao acordado na conferde Paris, a CoP-21.
O impacto na área da saúde, por exemplo, pode aumentar as mortes por exposição ao calor e alta umidade do ar. A incidência de insetos como o Aedes aegypti deve aumentar. No fim do século, cidades de quase todo o Brasil terão condições térmicas ainda mais favoráveis para a disseminação do mosquito transmissor da dengue e zika, no caso de o aumento de o aumento da temperatura no país ultrapassar os 4°C.
Entre 2071 e 2099, cidades de praticamente todo o Brasil podem ter condições térmicas favoráveis à disseminação do mosquito (à exceção do Centro Oeste onde a temperatura pode ser tão alta que prejudicaria sua reprodução). No Rio de Janeiro e no Espírito Santo, um aumento da temperatura média projetado para 4,6°C e 5,1°C aumenta o potencial de epidemia da dengue no fim do século.
Sete pesquisadores brasileiros das áreas de clima, saúde, agricultura, energia e biodiversidade assinam, com suas equipes, o estudo “Riscos de Mudanças Climáticas no Brasil e Limites à Adaptação” coordenado pelos climatologistas Carlos Nobre e José Marengo, realizado com apoio da Embaixada do Reino Unido no Brasil e divulgado em Brasília.
“A temperatura hoje já aumentou 1°C. Estamos analisando cenários em que a temperatura média, que hoje no Brasil é de 25,5°C seja de 28°C para cima”, explica Carlos Nobre. “A probabilidade de isso acontecer não é desprezível”, continua. “A lógica deste projeto é analisar impactos muito grandes, mesmo com probabilidades pequenas.” Olhando o quadro global, ele diz que a chance, no Brasil, de o aumento da temperatura superar 4°C, é de 30%. “Não é probabilidade pequena e tem que ser considerada em qualquer cenário.”
O projeto colocou a lupa em cenários de baixa probabilidade de ocorrência, mas de forte impacto e foi feito a partir da literatura científica existente no Brasil, explicou Marengo.
Cidades do Norte e Nordeste sofrerão mais com temperaturas médias maiores ou iguais a 30°C. A taxa de mortalidade em idosos pode ser até 7,5 vezes maior. Desastres naturais podem tornar ainda mais escassa a água tratada e aumentar casos de hepatite e diarreia. “Um dado muito óbvio, é que o mosquito da dengue vai chegar a Buenos Aires em algumas décadas conforme a temperatura aumentar”, diz Nobre. O estudo mapeou 83 municípios de alto risco para inundação em cenário de temperaturas mais altas. “A dengue poderia estar praticamente em todo o território brasileiro. A condição climática ajudaria, ao lado de condições como crescimento desorganizado das cidades, falta de saneamento e até a dificuldade do setor da saúde em lidar com estas doenças”, diz a pesquisadora Beatriz Oliveira, da Fiocruz, da equipe do projeto. Segundo ela, o aumento de 4°C na temperatura causa a expansão da malária no Norte e da leishmaniose no Mato Grosso e em Minas Gerais. Doenças de veiculação hídrica encontram o pior cenário no Rio Grande do Sul, onde se prevê aumento das chuvas. Os casos de diarreia aumentariam em até 45% no Norte e Nordeste, diz Beatriz Oliveira. “E falta aprofundamento de estudos sobre o que vai acontecer, por exemplo, com a poluição atmosférica”, continua.
Nestes cenários climáticos, a agricultura será muito impactada no Brasil. A previsão, com aquecimento superando os 4°C, é de redução de 13% nas áreas de baixo risco climático de produção de arroz em comparação a 1990. A cultura do feijão sofrerá ainda mais, com perdas de 57% nas áreas de baixo risco e produção restrita ao Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A soja tem a maior perda (81%) e as lavouras devem migrar para o norte do Mato Grosso, como já vem acontecendo. A boa notícia é que, no caso da soja, devem ser lançados cultivares com alta tolerância à seca e deficiência hídrica, diz o estudo.
“Se aquecer muito, vamos ter problemas de produção em áreas que deixam de ser de baixo risco climático e chegarão a alto risco”, diz Eduardo Assad, da Embrapa. Em biodiversidade, o aumento no percentual de risco de extinção de espécies no mundo, com aumento de temperatura de 4°C é de 15,7%. Na América do Sul, onde o índice de extinção de espécies é o mais alto do mundo, este dado salta para 25%, diz Fabio R. Scarano, da Universidade Federal do Rio do Janeiro. “Pode haver redução nas populações de espécies de abelhas nativas da Mata Atlântica em 2030, situação que poderia se agravar até a extinção entre 2050 e 2080”, diz Scarano.
“Este tipo de estudo mostra os limites da adaptação à mudança do clima”, diz Nobre. “O objetivo do projeto é fazer com que os que decidem políticas públicas tenham consciência que o problema é grave”, completa Marengo.
“Qualquer projeto de hidrelétrica no mundo que tenha dinheiro do Banco Mundial tem que considerar cenários de mudança climática. O banco quer saber se vai emprestar dinheiro para uma obra que talvez não tenha condições de retornar o empréstimo”, diz Roberto Schaeffer, da Coppe-UFRJ e autor da parte de energia.
Fonte: Valor Econômico