O Acordo de Paris fixou como objetivo limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais. Para Kevin Anderson, um dos maiores especialistas em orçamento de carbono do mundo, uma meta que, no momento, parece quase inalcançável.
Em entrevista à DW durante a 23ª Conferência do Clima, em Bonn, na Alemanha, ele diz que países terão que começar rapidamente a tomar medidas para alcançar esse objetivo nos próximos três ou quatro anos.
Professor de energia e de mudanças climáticas da Universidade de Manchester, no Reino Unido, Anderson afirma que muitos argumentam que a China é a principal causadora do aumento das emissões. Mas, para ele, a culpa não é toda do gigante asiático, já que o Ocidente escolhe fabricar produtos em outros países "mais pobres, com menos direitos trabalhistas, salários mais baixos e condições ambientais mais frouxas". "Isso é moralmente suspeito", frisa.
DW – Qual é o nosso orçamento de carbono? Quanto gastamos e quanto há ainda de sobra?
Kevin Anderson – Nosso orçamento de carbono é a quantidade total de dióxido de carbono que nós podemos colocar na atmosfera e que proporciona uma certa temperatura média em todo o planeta. Quanto mais rápido nós usarmos esse orçamento agora, menos poderemos causar emissões de CO2 mais tarde. É como se fosse o nosso salário mensal. Globalmente, neste momento, estamos causando emissões incrivelmente rápido e usando todo o nosso dióxido de carbono como se não houvesse amanhã. Assim, não vamos conseguir chegar até o fim do mês. É como se estivéssemos desperdiçando nosso dinheiro em muitos jantares caros, carros chiques e outras coisas do tipo.
O estudo Orçamento Global de Carbono 2017 foi publicado nesta semana. Ele não trouxe boas notícias...
Sim, as notícias não foram boas. Os dados mais recentes mostram que, após os últimos três anos terem sido quase estáveis, as emissões neste ano parecem que voltaram a subir novamente em cerca de 2%. Isso é realmente um grande aumento em se tratando da questão que deveríamos reduzi-lo provavelmente próximo de 10% por ano.
Qual é a causa do aumento?
Algumas pessoas argumentam que a China é a principal causadora desse aumento, porque ela está queimando um pouco mais de carvão. Isso depende da forma como você analisa a questão. Eu tenho um MacBook que foi produzido na China, provavelmente usando energia originada do carvão. Eu não acho que podemos dizer necessariamente que toda culpa é da China.
O Ocidente, basicamente, tem essencialmente uma indústria offshore [em que é feita a realocação, por exemplo, da fabricação de produtos de um país para o outro] e temos a expectativa de que nações mais pobres, com menos direitos trabalhistas, salários mais baixos e condições ambientais mais frouxas produzam esses produtos para nós. E, então, nós os culpamos quando as emissões aumentam. Acredito que isso é moralmente suspeito.
Podemos viver sem combustíveis fósseis?
Em primeiro lugar, a maioria das pessoas no mundo usa muito pouco combustíveis fósseis. Então, para muitas pessoas, na verdade, não haveria uma mudança tão grande. Eu acredito que poderíamos fazer alterações quanto à distribuição de energia renovável em muitas partes mais pobres do mundo. Às vezes, produzir energia renovável de forma local pode ser muito mais efetivo e, na verdade, muito mais barato do que o uso de geradores a diesel. E acho que isso deve ser financiado de forma significativa pelos países do Ocidente que causaram esse problema.
A 23a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP23) chega a seu encerramento nesta sexta-feira (17) em Bonn cumprindo sua proposta inicial: foram aprovados diversos elementos para a construção, ao longo do próximo ano, do livro de regras que permitirá a implementação efetiva do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Também foi criado um ambiente positivo entre os países para o Diálogo Talanoa, no ano que vem, no qual deverá ser iniciado um esforço global de aumento de ambição. Infelizmente, porém, trata-se de sucessos pífios diante da escala da crise climática, que segue cada vez maior.
A COP23 foi bem-sucedida em evitar que o eterno racha entre países desenvolvidos e em desenvolvimento produzisse retrocessos na negociação internacional. Também conseguiu isolar os Estados Unidos, desfazendo o temor de que o governo negacionista de Doland Trump pudesse tentar atrapalhar o processo.
O Brasil chegou a Bonn tentando vender a imagem de bom moço com a queda na taxa de desmatamento, mas foi desmascarado rapidamente pelos atos do presidente Michel Temer em casa. Acabou levando um raro e merecido Fóssil do Dia pelos subsídios trilionários propostos ao pré-sal. No mesmo dia, se ofereceu para sediar a COP25, em 2019. Pode ser uma chance para o país reinserir o clima em sua agenda de desenvolvimento.
No entanto, os debates na COP23 passaram ao largo do que realmente importa: a necessidade de aumentar enormemente as metas de redução de emissões e de financiamento climático antes que a janela de oportunidade ainda aberta para limitar o aquecimento global a 1,5oC se feche. Segundo a ciência, a ambição coletiva precisa ser turbinada até 2020, mas os 195 membros da Convenção do Clima que permanecem fiéis ao Acordo de Paris até agora não se mostraram dispostos a botar as cartas na mesa. O blefe coletivo dos governos pode custar a segurança climática da humanidade neste século.
“A COP23 começou com o lema ‘mais longe, mais rápido, juntos’. Conseguiu entregar o ‘juntos’, o que é melhor que nada, mas não foi nem longe, nem rápido. Todas as expectativas agora ficam por conta da COP24, na Polônia, no ano que vem. O risco disso é enorme”, disse André Ferretti, gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário e coordenador-geral do Observatório do Clima.