Como a população será informada sobre a real situação das mudanças climáticas se os próprios autores dessas informações são dominados pelas corporações?
A Comissão Internacional de Estratigrafia vai definir em 2016 se a espécie humana é a maior força natural do planeta, o que precisa de registro nas pedras, tal como já acontece com a radioatividade liberada em mais de dois mil testes nucleares já ocorridos. Argumentos para reforçar a tese de alguns pesquisadores não faltam: metade das florestas foi detonada, mais de 50% das populações de vertebrados, o que envolve pássaros, peixes, anfíbios, mamíferos, foram aniquiladas, o mesmo valendo para populações de espécies de água doce ou marinhas. Anualmente os extratores revolvem as entranhas da terra para buscar dois bilhões de toneladas de ferro, 15 milhões de toneladas de cobre – somente os Estados Unidos extraem três bilhões de toneladas de minérios.
Além de 272 milhões de toneladas de plásticos produzidas em 192 países, sendo que uma parcela entre 4,8 milhões e 12 milhões são jogadas nos oceanos. E as 57 mil represas existentes no mundo que drenaram metade das zonas úmidas e retêm 6.500km3 de água, algo equivalente a 15% do fluxo hidrológico dos rios. Sem contar os 2,3 gigatoneladas de sedimentos retidos nos reservatórios. Não é a toa que nos últimos 10 anos, 85% dos deltas foram inundados pelo mar.
O livro: Capitalismo e colapso ambiental
Podemos acrescentar mais números: 2,2 bilhões toneladas de resíduos sólidos jogados no ambiente, incluindo fezes e urina da população urbana que já domina o planeta – mais de quatro bilhões de pessoas. Ou seis trilhões de cigarros fumados, que depois formam uma montanha de 750 mil toneladas de plástico e resíduos cancerígenos. Ou ainda mais, na direção da era digital: 93,5 milhões de toneladas de lixo eletrônico previstas para este ano, com a grande contribuição de computadores e smartphones, que agora usam 63 elementos na sua composição. É óbvio que os Estados Unidos lideram a excrescência- 29,8 quilos per capita, seguidos pela União Europeia com 19,2, sendo que na Alemanha o consumo per capita é de 23,2kg. Não custa acrescentar mais uma informação – o Centro de Dados do Facebook, na Carolina do Norte, inaugurado em 2012 consumirá na próxima década um milhão de toneladas de carvão. A Agência Internacional de Energia prevê que em 2030 o carvão será a grande fonte de energia elétrica no mundo – entre 34 e 43% da capacidade das usinas.
Os números circulam diariamente pelo globo terrestre e o professor Luiz Marques, da UNICAMP, transformou no livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”, com 641 páginas e uma interrogação: será que ainda estamos vivos ou só falta aguardar a hora da catástrofe. Mas tem um fundamento que define melhor a situação no mundo globalizado em 2016. Uma citação do livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”:
“- A riqueza da humanidade adulta de 4,7 bilhões de pessoas é de US$240,8 trilhões (2013), 68,7%, mais de dois terços dos indivíduos adultos situados na base da pirâmide de riqueza possuem 3% - US$7,3 trilhões da riqueza global, com ativos de no máximo 10 mil dólares. No topo da pirâmide – 0,7% dos adultos possuem 41% da riqueza mundial ou o equivalente a US$98,7 trilhões de dólares. Somados os estratos superiores da pirâmide – 393 milhões de pessoas, 8,4% da população adulta – detêm 83,3% da riqueza global.”
Para completar: as 500 milhões de pessoas mais ricas no planeta produzem metade das emissões de CO2, enquanto os três bilhões mais pobres emitem 7%.
Quem são os responsáveis?
Por isso, quando a mídia conservadora e idiota disseminada pelo mundo como um gás tóxico alardeia a força da espécie, ou do “homem”, como sempre preferem, como destruidora do meio ambiente é preciso perguntar o seguinte: quem são os representantes da espécie, de que sociedade participam, qual o conluio socioeconômico e político que estão investidos? Enfim, quem são os responsáveis pela sexta onda de extinção de espécies do planeta, pela destruição das florestas, dos mangues, das margens dos rios, do envenenamento dos solos e do ar e que jogam grande parte da humanidade numa corrida insana atrás de acumulação e desperdício?
O professor Luiz Marques tem razão quando diz que a definição do Antropoceno é uma questão filosófica. Não existe mais a visão da divisão entre homem e natureza, agora é natural que a natureza se humanize. Dito isso, após listar todas as consequências da onda capitalista que varre o planeta nos últimos 300 anos.
Entretanto, quem está envolvido com a realidade ambiental, social e econômica do mundo, do país, da sua cidade sabe que a pergunta mais complicada de responder é: por que as pessoas não reagem, não lutam contra a maré acumulativa, contra o apelo consumista, afinal, temos uma catástrofe logo ali na esquina nos esperando. Ou, no mínimo, sabemos que estamos condenando os nossos descendentes a viver no Planeta sobre o administração de HADES, o inferno grego.
Metano da calota polar é um detonador
Deixando de lado o que é óbvio, porque no mundo moderno, onde 28 megacidades têm mais de 10 milhões de habitantes, a corrida pela sobrevivência ou pela manutenção do patrimônio mínimo – casa, carro, bicicleta, skate, que seja – não dá margem para vacilo. Ou a pessoa está dentro do sistema e comunga das regras, ou está à margem e luta unicamente pela sobrevivência física. Teoricamente, as informações sobre a situação do mundo circulam, mas de uma forma exótica, sempre com um caráter longínquo ou até mesmo controverso, ou polêmico, como dizem os agentes da mídia corporativa. Aliás, como as populações serão informadas sobre a real situação das mudanças climáticas, se os próprios autores dessas informações rezam pela cartilha de conservadores e autoritários políticos e as corporações que os dominam, sem o mínimo escrúpulo em discutir o assunto. A maior preocupação dos pesquisadores envolvidos nas questões ambientais e sociais do planeta é com a velocidade do aquecimento da temperatura. Segundo ponto: uma maior aceleração pode incluir a calota polar ártica, a parte da Sibéria onde as temperaturas subiram acima das médias dos últimos anos, e estão abrindo furos no permafrost- que é o solo congelado com vegetais- e uma imensa quantidade de metano – entre 100 bilhões e um trilhão de toneladas permanece estocada.
Isso não é uma dedução ou uma análise filosófica. Pode realmente ser um detonador do aumento da temperatura global em poucos anos, antecipando entre 15 e 35 anos a data em que o aumento da temperatura ultrapassaria os dois graus centígrados. Agora, em 2030, exatamente daqui a 14 anos, quando a população ultrapassar os oito bilhões de pessoas, a quantidade de carros que deverá circular no planeta será de dois bilhões. A pergunta é simples: alguém acredita que a velha Terra com seus 4,6 bilhões de anos aguenta dois bilhões de veículos fumegando de norte a sul?
Fonte: Carta Maior
O novo acordo do clima, fechado durante a 21ª Conferência Mundial sobre o Clima (COP21), que terminou no sábado (12) em Paris, foi “fraco”, tendo em vista que o assunto é debatido há pelo menos 23 anos, desde a Eco 92. A opinião é do professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Eduardo Viola, coordenador do Grupo de Pesquisa em Mudanças Climáticas e Relações Internacionais, que participou ontem (15) de uma mesa redonda sobre os resultados da COP 21, no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro.
Para ele, acordos multilaterais que visam caminhar para uma economia de baixo carbono, como o firmado em Paris, não são importantes na atual economia política mundial. “O fundamental da lógica do mundo, do fluxo em matéria de energia está dado basicamente pelos processos de trajetória recente e futura de emissão de um grupo muito reduzido de países, que são os que produzem o problema e que têm a capacidade de resolver o problema, mas em geral não são os que mais sofrem com o problema. São 12, basicamente.”
Ele cita como principais atores no processo os Estados Unidos, a China e a União Europeia, que são os maiores emissores, com a China na liderança. Como núcleo seguinte, seguem emissores importantes, mas não centrais: Índia, Brasil, Japão, Coreia do Sul, Indonésia, Rússia, Turquia, México e Canadá. De acordo com o professor, esses países, juntos, emitem mais de 70% do carbono mundial. Viola afirma que as emissões aumentaram desde 1992.
“Paris é um acordo fraco do ponto de vista de cientistas que não estão nas manchetes da mídia. Nós começamos há 23 anos e até agora estamos fracassando rotundamente. Na década de 90, as emissões globais de carbono subiam 1,3% ao ano. Na primeira década do século 21, década do grande crescimento econômico, as emissões cresceram 3% ao ano. Depois da crise de 2008 e do acordo de Copenhague, tivemos um crescimento mais limitado. Nós temos já 23 anos de fracasso, com aumento extraordinário da concentração dos gases estufa e uma redução brutal do que fica do orçamento global do carbono para evitar a mudança climática”.
Sobre o fundo de R$ 100 bilhões previsto no acordo de Paris, ele afirma que o valor corresponde a 0,4% do PIB mundial e cita estudo do Fundo Monetário Internacional, que aponta que, em 2013, os subsídios diretos e indiretos para a produção de petróleo somavam R$5 trilhões de dólares, o que corresponde a 7% do PIB mundial.
A pesquisadora Branca Americano, do Programa de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade, se mostrou mais animada com o acordo de Paris. Segundo ela, o documento fecha um ciclo iniciado com o Protocolo de Kioto, em 1997.
“Foi uma luta enorme, com muitas decepções no caminho, principalmente Copenhague, onde criou-se uma expectativa de se chegar a metas. Dessa vez, se inverteu a lógica e se começou a fazer um acordo. Cada país ofereceu o que podia, e isso poderia dar conta das necessidades do planeta. De tempos em tempos, eles vão se sentar numa mesa, cada um vai coloca a sua meta, o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] vai fazer a conta e dizer se é o suficiente não”.
Para o diretor executivo da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, Fábio Scarano, a novidade de Paris é que os participantes sentiram a necessidade de urgência que o tema requer. Ele destaca que o acordo prevê a redução das desigualdades sociais como caminho para o desenvolvimento sustentável.
“Se a gente botar isso em prática: desmatamento zero, cumprir o código florestal, segurança alimentar, segurança hídrica, economia de base agrícola, de baixo carbono. Se isso acontecer, a gente tem uma chance real de estar, por um lado conservando e recuperando a natureza, por outro reduzindo a pobreza através desse processo. Se a gente conseguir fazer isso ate´2013, vai ser um exemplo para o resto do planeta.”.
O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Marcelo Vieira, destaca que várias metas propostas pelo Brasil já estão previstas em lei, como o Código Florestal, e que o setor agrícola será responsável por boa parte do cumprimento delas.
“O implementador [das metas] vai ser o agronegócio brasileiro. A implementação do Código Florestal vai dar a grande contribuição, com a redução do desmatamento na Amazônia, reflorestamento e restauração da vegetação, temos que recuperar 15 milhões hectares de pastagem degradada, importante para reduzir o uso da terra, produzir o mesmo com metade e liberar terra para a agricultura”.
Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil, in EcoDebate, 16/12/2015
Fonte: EcoDebate
Acordo de Paris: avanço nas metas, mas fragilidade na implementação. Entrevista especial com Carlos Rittl
“A transição para um mundo sem energia fóssil e baseado em fontes renováveis de energia terá que ser muito mais rápida nas próximas décadas”, destaca o biólogo.
Razoável. Essa é a palavra que, para Carlos Rittl, melhor define o acordo de Paris. “Há aspectos positivos, como o objetivo de limitar o aumento de temperatura em relação a níveis pré-industriais. Foram definidos processos de revisão para os compromissos de todos os países, com vistas a avaliar a adequação das metas deredução de emissões a uma trajetória compatível para limitar oaquecimento global e incentivar o aumento de seu nível de ambição”, aponta. Entretanto, ressalta que “há aspectos frágeis, como por exemplo, a falta de uma data, ano ou período objetivo para pico global de emissões de gases de efeito estufa e para eliminação das emissões”.
Rittl conversou com a IHU On-Line por telefone, ainda em Paris, durante a COP-21, e voltou a fazer contato assim que o acordo de Paris foi definido. Ainda em meio às reuniões, destacava como positivo o engajamento dos países de forma voluntária, em que o comprometimento e as metas não vinham de cima para baixo e sim eram propostos pelos próprios países. Entretanto, após o encontro, reconhece que esse caráter voluntário pode comprometer o cumprimento do próprio acordo. “Fica a cargo de cada país definir se e quanto aumentará o nível de ambição em mitigação ou financiamento. Sem tal aumento de ambição climática e, desde já, antes de o acordo entrar em implementação, limitar o aquecimento global a 1,5 grau passa a correr o risco de ser apenas um objetivo teórico”, pondera.
De modo geral, Rittl avalia como positivo todo o processo, a dinâmica e o ritmo das reuniões daCOP-21. Para ele, o mundo já vive um outro momento, e a necessidade de mudanças para reduzir a emissão de gases e a busca de soluções para problemas decorrentes do aquecimento global passam a ser cobradas pela própria sociedade global. “Antes do Acordo de Paris, o mundo já estava mudando. Entramos não apenas na era do baixo carbono, mas na era em que zerar as emissões mundiais passa a ser parte da obrigação dos países para que se atinja o objetivo do Acordo de Paris e o da própria Convenção sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas – ONU”, pontua.
Carlos Rittl é mestre e doutor em Biologia Tropical e Recursos Naturais. Foi coordenador do Greenpeace Brasil, como coordenador da Campanha de Clima, e do WWF-Brasil, como coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia. Participou da COP-21, em Paris, como coordenador executivo do Observatório do Clima.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a sua avaliação sobre o Acordo de Paris? Quais as fragilidades e os pontos fortes?
Carlos Rittl – O Acordo de Paris é razoável. Há aspectos positivos, como o objetivo de limitar oaumento de temperatura em relação a níveis pré-industriais – bem abaixo dos 2 graus Celsius, mas buscando-se implementar esforços para limitar o aquecimento a 1,5 grau Celsius, o que é crítico para os países que são pequenas ilhas, muito vulneráveis à elevação do nível do mar. Foram definidos processos de revisão para os compromissos de todos os países, com vistas a avaliar a adequação das metas de redução de emissões a umatrajetória compatível para limitar o aquecimento global e incentivar o aumento de seu nível de ambição. Decisão complementar da COP-21 definiu que ofinanciamento climático parte de um piso de 100 bilhões de dólares por ano, que deve aumentar até pelo menos 2025.
No entanto, há aspectos frágeis, como por exemplo, a falta de uma data, ano ou período objetivo para pico global de emissões de gases de efeito estufa e para eliminação das emissões – os países devem atingir seu pico de emissões o mais cedo possível. O Acordo deveria ser específico acerca desta trajetória e dos processos para definir quem deve fazer mais. E o engajamento maior de todos os países acaba tendo caráter voluntário, pois fica a cargo de cada país definir se e quanto aumentará o nível de ambição em mitigação ou financiamento. Sem tal aumento de ambição climática e, desde já, antes de o acordo entrar em implementação, limitar o aquecimento global a 1,5 grau passa a correr o risco de ser apenas um objetivo teórico. Sabe-se que as promessas de compromissos apresentadas no processo de preparo do Acordo de Paris nos levam a um mundo cerca de 3 graus Celsius mais quente que os níveis pré-industriais.
IHU On-Line – Como avalia a decisão de limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5 grau Celsius? E como avalia a diferenciação entre as responsabilidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como as formas de financiamento de esforços para frear os efeitos das mudanças climáticas, no texto final?
Carlos Rittl – O objetivo de limitar a 1,5 grau o aquecimento global é fundamental para as pequenas ilhas do Pacífico, países que podem literalmente sumir do mapa devido ao aumento do nível do mar, em cenários de aquecimento superior a este limite. Trata-se de reconhecer o direito basilar daqueles países e de suas populações de existir enquanto nações.
O Acordo de Paris trouxe um bom equilíbrio na diferenciação em mitigação, meios de implementação e transparência entre países desenvolvidos e em desenvolvimento – os desenvolvidos continuam com maior responsabilidade, inclusive na demonstração de que estão progredindo para atingir suas metas -, mas cobrando um aumento progressivo dos compromissos de todos os países.
IHU On-Line – Em que medida o Acordo de Paris obriga à “transição energética”? E como projeta que essa transição deva se dar?
Carlos Rittl – O “norte” definido pela busca para limitar a 1,5 grau o aquecimento global exige uma mudança forte na trajetória das emissões globais de gases de efeito estufa. Sem uma trajetória de reduções mais profundas, não será possível ficar dentro daquele limite. A transição para um mundo sem energia fóssil e baseado em fontes renováveis de energia terá que ser muito mais rápida nas próximas décadas.
Antes do Acordo de Paris, o mundo já estava mudando. Entramos não apenas na era do baixo carbono, mas na era em que zerar as emissões mundiais passa a ser parte da obrigação dos países para que se atinja o objetivo do Acordo de Paris e o da própria Convenção sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas – ONU, que é de evitar a interferência perigosa das atividades humanas no sistema climático global. O Acordo de Paris definiu que o aquecimento global bem abaixo dos 2 graus Celsius e possivelmente limitado a 1,5 grau Celsius é a tradução do objetivo maior da Convenção.
IHU On-Line – Qual a sua avaliação do “encontro de Paris” como um todo?
Carlos Rittl – A COP-21 negociou o acordo mais importante sobre mudanças climáticas já existente. É algo sem precedentes, e por isso começou com a presença de chefes de Estado e de governos que trouxeram uma mensagem política no seu primeiro dia. Foram mais de 150 chefes de Estado presentes, nuca tivemos participação tão grande – em Copenhague, se não me engano, eram 119. Isso também demonstra um engajamento dos países, seja por quais razões forem, pois temos os extremamente vulneráveis, e outros com medo dos acordos que serão fechados, como é o caso dos grandes exportadores de petróleo. É a conferência de maior impacto que já se teve até hoje e que vai perdurar.
O Acordo de Paris não é algo que vai ser negociado nos próximos cinco ou dez anos, tende a ser implementado e aprimorado com a evolução dos compromissos dos países ao longo do tempo. Isso responde por que o encontro foi estendido por mais um dia. As decisões são de extrema complexidade, relevância e terão impacto durante muito tempo. É o que acaba justificando tantas reuniões.
IHU On-Line – Como foi o clima das reuniões e das negociações?
Carlos Rittl – Todos que vieram para esta COP e que acompanharam outras COPs sabem que sempre há crise, com momentos de bastante tensão. As crises, às vezes, ajudam a evoluir o grau de ambição, de assertividade de textos. Mas essa foi uma COP diferente, pois não percebemos grandes momentos de tensão entre os países. Em determinado momento houve até calma, claro que com momentos intensos de discussões, mas sem ninguém levantar a voz, afirmando que está sendo traído por outro grupo de países ou ameaçando sair do processo.
Essa calmaria, de um ambiente muito amistoso, chegou a preocupar porque era a indicação de que, talvez, houvesse certo conformismo nas salas e que para se chegar a um acordo as concessões teriam de ser grandes. Entretanto, também houve uma pressão enorme para que a Conferência chegasse a um acordo. Todos sabem que se não tivesse havido acordo, esses processos estariam muito mais em xeque do que quando saímos, por exemplo, da COP-15.
Preparação
O governo francês esteve muito bem preparado para essa conferência. A França assumiu o compromisso de hospedar essa conferência no final da COP-18, em 2012, que foi realizada em Varsóvia (Polônia). Assim, desde 2013 e ao longo de 2014, eles começaram a preparação e, do ano passado para cá, trabalharam muito em sintonia com o governo peruano, que tinha a responsabilidade e a presidência da última conferência. Ou seja, houve de fato um preparo muito grande para se chegar a essa forma de condução do processo: de que as discussões são importantes, mas que não se pode aprofundar em discussões que não sejam tão objetivas.
Compromissos voluntários
Mais um elemento que favoreceu esse ambiente menos tenso é o fato de o processo ter sido construído com base em compromissos voluntários, definidos pelos próprios países. Não existe umadefinição de compromissos de cima para baixo, os países foram convidados a dizer o que poderiam e o que deveriam fazer e o que consideravam ambicioso e justo. É o conjunto de INDCs(Intended Nationally Determined Contributions) apresentado.
Quase todos os países indicaram o que pretendem fazer, talvez menos de dez países não tenham apresentado. Se me recordo bem, dos 196 países, 185 submeteram seus compromissos. É uma imensa maioria de países, o que demonstra também um engajamento para uma melhor definição do que seria sua contribuição em termos de redução de emissões ou de financiamento para o acordo. Esse engajamento ajuda e contribui para que o processo como um todo tenha sucesso, sem nenhuma imposição de compromissos obrigatórios por parte da convenção. Por outro lado, quanto à análise do impacto desses compromissos, vemos que existe uma lacuna imensa.
IHU On-Line – Ao longo do encontro, houve muita discussão quanto a limitar o aquecimento em 1,5 ou em 2 graus. Mas o que significa esse percentual na prática?
Carlos Rittl – Com 1 grau já estamos vendo muitos desastres se intensificando. Só no Brasil, neste ano, pelo menos 25% dos municípios decretaram situação de emergência e calamidade pública em função da intensificação de eventos extremos e ligados a um clima mais hostil, secas, estiagem, enchentes, alagamentos e deslizamentos de terras em função de tempestades, tornados. E isso tudo com 1 grau.
Com 1,5 grau, teremos a intensificação de todos esses processos e um certo grau de elevação do nível do mar. Além da intensificação desses eventos, países insulares do Pacífico, por exemplo, que são os mais vulneráveis às alterações climáticas, correm o risco de desaparecer, em decorrência do derretimento maciço das camadas de gelo de todo o planeta, o que levaria a uma elevação do nível do mar. Então, seremos impactados, mas de certa forma se consegue uma adaptação em função das mudanças climáticas.
Com 2 graus, a preocupação com países muito vulneráveis aumenta enormemente, levando até ao seu desaparecimento. Não há adaptação para isso. Ainda tenderemos a perder muita biodiversidade terrestre, marinha, com grande ameaça a recifes de coral, que são berços da vida marinha, gerando assim um impacto em cadeia desde os pequenos crustáceos até os grandes mamíferos. Junto com essa maior elevação do nível do mar haverá maiorimpacto nas regiões costeiras de todo o mundo, tanto pelos impactos econômicos nessa perda de biodiversidade importante para as atividades econômicas, como também perda de áreas de praias, de dunas, impactos de infraestrutura, no sistema de esgotamento sanitário, entre outros problemas. O Brasil, por exemplo, já sofre com a mudança no regimento de marés, na circulação oceânica.
IHU On-Line – Outra questão que foi pauta das discussões durante o encontro foi a diferenciação das responsabilidades entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Como avalia esse debate?
Carlos Rittl – Foi o ponto mais complexo da negociação, porque a diferenciação se aplica não apenas acompromissos de redução de emissão (de gases), mas a compromissos de meios de implementação, de apoio, financiamento climático, transferência de tecnologia e capacitação, que hoje é uma obrigação de países desenvolvidos para com os países em desenvolvimento. A diferenciação também diz respeito aos meios de acesso a essa implementação, discutindo, por exemplo, que países poderão acessar os recursos e quais terão direitos, de que forma esse acesso se dará, que nível de informação precisa ser prestado para dar transparência às necessidades desses países nos termos desse apoio.
Essa questão de diferenciação está relacionada a pontos muito importantes, por exemplo, com relação à justiça, à equidade, quando se discute como se busca um equilíbrio que, por um lado, dá responsabilidade e capacidade para os países agirem e, por outro, traz a necessidade que países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres, têm de receber apoio para o desenvolvimento mais limpo. E, principalmente, de maneira urgente, para lidar com os impactos dos desastres naturais através das estratégias de adaptação. Há países em que a ajuda que recebem para seu desenvolvimento é gasta totalmente para lidar com impactos de desastres naturais. Por exemplo: um furacão que tenha atingido um país do Caribe, que ainda é muito pobre, vai fazer com que toda ajuda e investimento que seria para educação, saúde e outras áreas a fim de melhorar a qualidade de vida da sua população acabe sendo utilizada para reconstrução do país, da infraestrutura que foi danificada. A diferenciação está vinculada a isso, ao equilíbrio de definir responsabilidades e direitos de forma justa.
Destaque Brasil
O Brasil teve um papel importante no debate em torno da diferenciação de responsabilidades, pois é um país que vinha, desde a COP passada, apresentando propostas de diferenciação no que diz respeito a compromisso. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, com apoio do embaixador Luis Alberto Figueiredo Machado, facilitou ao longo do encontro as discussões dentro do grupo que tratou da diferenciação e também analisou como ela deveria ser aplicada aos diferentes elementos, como metas de mitigação, financiamento e também ao mecanismo de transparência.
IHU On-Line – Outro ponto polêmico que emergiu em Paris foi como financiar esforços para frear e abrandar os efeitos das mudanças climáticas. Como compreender essa questão?
Carlos Rittl – O financiamento está dentro de um pacote chamado “meios de implementação” que junta o financiamento, transferência de tecnologia limpa e capacitação, para que os países possam desenvolver ou assimilar tecnologia em ações que vão reduzir emissões ou melhorar a capacidade de adaptação. É um elemento muito importante, e os países, em 2009, se comprometeram a chegar a 2020 com 100 bilhões de dólares neste pacote de meios de implementação. Agora, a discussão é como evoluir a partir daí; 100 bilhões parece uma quantia imensa de recursos, mas quando avaliamos só os impactos de desastres naturais em todo o mundo, eles atingem uma escala muito maior do que isso ao longo do tempo.
Se juntarmos a isso necessidades de desenvolvimento limpo e adaptado às mudanças climáticas, é um recurso importante, embora insuficiente, mas se aplicado aos países mais pobres pode fazer uma grande diferença. Ou você divide a conta do clima só com países desenvolvidos ou também promove o engajamento, inicialmente voluntário, de países em desenvolvimento, em ações de cooperação de sul para sul. É preciso pensar como esses países podem se engajar ao longo do tempo.
IHU On-Line – Como avalia a participação do Brasil na COP de Paris?
Carlos Rittl – O Brasil teve um papel construtivo. Não foi um país que colocou obstáculos para a evolução da negociação para o caminho do acordo mais robusto, mas, ao mesmo tempo, não foi muito forte ao defender as opções mais fortes, como 1,5 grau de limite máximo de aumento de temperatura ou mecanismos de revisão de metas mais objetivos. Isso tornaria o acordo o melhor acordo possível em Paris. Tanto que foi objeto de uma campanha de organizações da sociedade civil nos últimos dias para que, junto com China, Índia e África do Sul, trabalhasse por umacordo efetivamente ambicioso em Paris.
Fonte: EcoDebate
São Paulo – O governo brasileiro comemorou neste sábado (12) o fechamento de um acordo climático mundial na Conferência Mundial do Clima, a COP 21, em Paris.
O texto foi aprovado pelos 195 países participantes da conferência, com o principal objetivo de aliar o desenvolvimento com a redução das emissões de carbono para mitigar os efeitos do aquecimento global.
O impasse, porém, para aplicar as medidas propostas por aqui está em aliar interesses de diferentes áreas nesse bem comum.
"Nas negociações em conferências, os ministérios de Relações Exteriores e Meio Ambiente vão atuando, super proativos. Mas quando falamos da implementação dessas medidas anunciadas, depende de uma série de outros ministérios, como Minas e Energia ou Agricultura, que tem ideais de aumento de produção", afirma em entrevista a EXAME.com a presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e coordenadora do Fundo Verde da UFRJ, Suzana Kahn.
Para Suzana, que foi a Paris para acompanhar a COP 21 como assessora, só uma convergência desses interesses poderá fazer com que o Brasil atinja sua meta proposta na conferência climática deste ano.
Ela comenta ainda sobre efeitos práticos para o brasileiro do acordo e o que ainda deve ser feito nas políticas internas para que o país atinja sua proposta apresentada.
Veja a conversa abaixo.
O que acha que a conferência pode trazer de efetivo para o planejamento ambiental do planeta?
Suzana Kahn – A COP 21 vem sendo muito positiva, até porque eu não tinha muita expectativa. O mais importante, talvez, é que vem marcando um ponto de "não-retorno". É a primeira vez que um acordo atinge todos os países. O acordo mundial, mesmo sem metas quantificadas, tem todos os reais problemas contidos no texto. Fala-se de medidas de descarbonização da produção de energia, da compensação aos países que emitem menos gases estufa, mas são os mais afetados, medidas gerais de mitigação, a necessidade de revisão periódica para regular níveis de emissão...
A direção está dada, a questão agora é a que velocidade será perseguida. O fato da conferência ter atrasado mostra uma preocupação real em um acordo robusto. Há uma expectativa boa com os resultados.
E para o Brasil? O que vê de evolução?
O Brasil foi o primeiro emergente que apresentou sua INDC [sigla para Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas, documento com as metas de redução de emissões de gases estufa que cada país pretende realizar para conseguir um acordo climático global].
Apesar de eu considerar uma proposta tímida para potencial do Brasil, foi a única que colocou não só uma meta que envolve toda a economia brasileira, como uma meta absoluta de redução. Boa parte dos países apresenta uma meta relativa ao crescimento, ao PIB, etc.
O Brasil sempre teve uma preocupação de fazer a ponte entre emergentes e desenvolvidos. Dessa vez, entrou até no grupo de "Grande Ambição", que liderado pelas Ilhas Marshall fará pressão por um aumento de metas de redução. Isso é um ótimo sinal da disposição que o país trará para mudanças internas.
Sobre essa postura em conferências: essa proatividade do Brasil não se mostra tão clara nas ações reais dentro do país para achar matrizes energéticas e descarbonização da produção. Há mesmo diferença?
O que acontece é que as vontades e intenções esbarram muito na governança interna do país. Nas negociações em conferências, os ministérios de Relações Exteriores e Meio Ambiente vão atuando, super proativos. Mas quando falamos da implementação dessas medidas anunciadas, depende de uma série de outros ministérios, como Minas e Energia ou Agricultura, que tem ideais de aumento de produção.
Não pode ter esse antagonismo, todos têm que seguir a mesma filosofia. Nossa INDC deveria ser base de um planejamento de médio e longo prazo, algo que não temos. Fica a impressão de que cada um atira para um lado e os resultados acabam sendo ruins.
Há algum aspecto de agressão ambiental que tenha ficado de fora do radar dos governantes em nossa INDC? Algo que deveríamos estar prestando mais atenção?
Um tópico que acho muito tímido é a eficiência energética. Nossa meta é de aumento de 10%, isso é nada. O Brasil é o 14º no ranking de 15 grandes potências em eficiência energética, perdendo só do México. Mais eficiência é algo que traria um enorme ganho ao país, tanto em termos de custo, quanto para o sentido de aliar desenvolvimento e redução de emissões. Se a gente quer descarbonizar nossa economia, precisamos colocar investimento nisso.
Devemos temer que essas promessas não saiam do papel?
Estamos em um cenário diferente, em especial pelo avanço da ciência. Não existe mais aquele ceticismo de que o aquecimento global não existe. Há o reconhecimento que são efeitos da atividade do homem, do custo que isso significa, dos danos mais próximos das nossas gerações...
Por isso, nunca se investiu tanto em combustíveis renováveis, em termos absolutos e percentuais. Aqui mesmo, já temos um engajamento enorme das empresas, que colocam a emissão de carbono na própria cadeia de valor e estão preocupadas com a sua reputação nesse sentido.
A tecnologia de produção de energia renovável está mais barata. A energia eólica já é competitiva em partes do Brasil. Isso tudo faz com que estejamos indo para uma nova trajetória.
Que países mudaram mais de postura nessa COP21?
Estados Unidos e China mudaram bastante, mas a China ainda trava muita coisa. Os Estados Unidos, daquele país da época do Protocolo de Kyoto para agora, estão muito mais positivos. Isso já se notava por parte dos norte-americanos com acordos bilaterais de prevenção e redução de carbono, então, os Estados Unidos mudaram bastante, o que é fundamental para o resto do mundo.
Fonte: Exame