“Não é nenhuma catástrofe, o mundo não vai acabar, mas precisamos tomar decisões rápidas, porque as populações mais atingidas serão as que hoje são as mais desassistidas.” Com essa declaração, o engenheiro agrícola Eduardo Assad, da Embrapa, especialista em mudanças climáticas, resumiu o tom do primeiro relatório de avaliação nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), divulgado hoje.
O trabalho, conforme noticiou o Estado na edição desta segunda, traz uma síntese sobre o estado da arte do conhecimento sobre como o País vai ser afetado pelas mudanças climáticas. Em linhas gerais, mostra que as mudanças já estão ocorrendo, como temos observado nas variações de extremos de temperatura durante este inverno, com a diminuição de noites e de dias frios e com a frequência cada vez maior de eventos extremos. O relatório traz também mais detalhes de como as temperaturas e a ocorrência de chuvas deve mudar.
De acordo com a apresentação dos pesquisadores, em evento que abriu a Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais, os resultados apontados para o Brasil são consistentes com o que o novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) deve trazer agora no final do mês.
Preliminares do relatório internacional que vazaram para a imprensa têm em geral apontado que o novo relatório trará como ponto principal uma certeza maior sobre dados já citados no relatório de 2007. Há uma certa necessidade dos cientistas de comprovar que as projeções estavam no final das contas certas depois de o painel ter sido bastante criticado por erros em relação ao degelo do Himalaia. Mas a tomar pelo relatório brasileiro, os cenários vão também ser mais pessimistas. O texto aponta, por exemplo, que o nível do mar no Brasil pode chegar em algumas regiões a subir até meados do século o que se esperava só para 2100.
“A gente se esforçou muito para mostrar que temos certeza do que estamos falando. Que estávamos certo. Mas esse relatório terá sim uma mudança, será mais pessimista. De fato os números são mais alarmantes do que tínhamos em 2007″, afirma Moacyr Araújo, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco e um dos coordenadores do grupo de trabalho 1 do painel brasileiro.
Segundo o climatologista Paulo Artaxo, da USP, os resultados são consistentes com o que o IPCC vai trazer. “Eles dialogam, mas a diferença do nosso é olhar para a nossa realidade, olhar para o nosso território, nossas particularidades e como vamos ficar.”
São Paulo. O relatório traz um alerta especial ao impacto a megacidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Principalmente no que se refere à questão de mobilidade urbana. “As reformas pensadas para o sistema de transporte têm de considerar, além de seu potencial de mitigar (reduzir) as emissões de gases de efeito estufa, as adaptações que ele terá de sofrer para se adequar às mudanças do clima das cidades”, afirma a pesquisadora Andrea Santos, secretária-executiva do PBMC e autora principal do capítulo sobre transportes.
Apesar de lacunas que o trabalho ainda não conseguiu fechar, como os custos que as mudanças climáticas podem trazer para o setor, ele já aponta para os riscos. “Toda infraestrutura de pavimentação, estrutura de ferrovias, de metrôs, não foi pensada, por exemplo, para um aumento de temperaturas ou de chuvas mais intensas. Nem as avenidas beira-mar levam em conta o aumento do nível do mar, das erosões costeiras.”
Para ela, mudanças estratégicas que reduzam o número de veículos na rua, como vem defendendo o prefeito Fernando Haddad, têm de por outro lado valorizar alternativas menos emissoras, como o transporte público sobre trilhos. E isso tem de casar com ações mais amplas, como também reduzir o transporte rodoviário de cargas. “São ações que podem ser sinérgicas, promovendo mitigação, adaptação e ainda melhoria da mobilidade urbana. “O Rio de Janeiro e outras cidades costeiras, por exemplo, têm de pensar em investir no transporte aquaviário, diversificar suas fontes”, diz Andrea.
Para o caso de megacidades os pesquisadores demonstraram preocupação também em relação à supressão da pouca vegetação que resta no etorno. ”As megacidades estão sujeitas às mudanças globais e ao microclima, como as ondas de calor. Mas elas estão se expandindo sobre os remanescentes de áreas verdes sem pensar nos serviços que elas prestam na regulação do clima”, afirma o pesquisador Paulo Nobre, do Inpe, que está fazendo uma investigação específica sobre essa situação em São Paulo.
Sua preocupação consiste nas modificações em estudo do plano diretor da capital. “Se a cidade continuar crescendo em direção a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que é o resto de mata que temos, por exemplo, na Cantareira, veremos um agravamento dos extremos climáticos na cidade. Teremos aumento de chuvas intensas, de inundações, das ondas de calor, além da degradação da qualidade do ar”, estima.
Fonte: Blogs Estadão
Até 2100, a robusta floresta amazônica pode dar lugar a uma paisagem dominada pela savana. A Caatinga, bioma do semiárido mais rico em fauna e flora do mundo, vai virar deserto. Em todo o território nacional, a temperatura média pode aumentar 6ºC. As projeções fazem parte do primeiro estudo que analisa os efeitos das mudanças climáticas no Brasil, e estão sendo apresentadas no Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), que segue até a próxima sexta-feira (13/09).
Com um Brasil mais quente e mais seco, o setor energético e a agricultura serão os mais atingidos. "Essas informações científicas devem ser consideradas no planejamento energético do país. Para a agricultura é a mesma coisa", avalia Andrea Santos, secretária-executiva do PBMC.
No futuro, a mudança de cenário vai forçar a migração de algumas culturas – como a do café, que precisa de um clima mais ameno. "Esses impactos no setor agrícola vão demandar melhoramento genético e recursos para a adaptação", complementa Andrea.
"Daqui a 100 anos, a agricultura brasileira terá que ser diferente para se adaptar às mudanças climáticas", sentencia por sua vez Carlos Nobre, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e secretário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. "Não é muito correto fazer previsões e dizer que não haverá adaptação que faça frente", adiciona, lembrando que medidas de adaptação estão em curso.
O relatório é fruto do trabalho de 345 pesquisadores. Eles vasculharam as publicações científicas dos últimos seis anos e o relatório do IPCC. Concluíram que, até 2100, a queda no volume de chuvas na Amazônia deve chegar a 45%, e a temperatura aumentará até 6°C na região. Somadas aos efeitos do desmatamento, as mudanças climáticas vão contribuir para a savanização.
Os cenários climáticos previstos pelo relatório apontam o aumento das secas e estiagens prolongadas não só na Amazônia, mas também no Cerrado e na Caatinga e uma elevação da temperatura em todo o país, causando alterações nos ecossistemas.
Para a Caatinga, é esperada uma elevação de até 4,5°C na temperatura e uma redução de até 50% da precipitação. "Essas mudanças podem desencadear o processo de desertificação", conclui o relatório. No Cerrado, para o mesmo período, estima-se um aumento de 5,5°C e uma diminuição de 45 % no volume de chuva.
Já nos Pampas, deve ocorrer um aumento de 40% na precipitação e de 3°C na temperatura até 2100. Apesar de as previsões terem sido formuladas para ao longo do século, algumas transformações no clima já podem ser percebidas atualmente.
"Nós já observamos aumento de temperatura e alteração no padrão de precipitação em várias regiões do Brasil, bem como o aumento das frequências de eventos climáticos extremos como chuvas e inundações", afirma Paulo Artaxo, coordenador do programa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sobre estudos em mudanças climáticas, que também participou do relatório.
As periferias nas grandes cidades são as regiões mais expostas aos efeitos das mudanças climáticas. "O processo desordenado de ocupação gerou grande vulnerabilidade", pontua Nobre. Há algumas décadas, catástrofes provocadas por chuvas intensas, por exemplo, eram registradas a cada dez anos. Atualmente, são de dois a três episódios por ano.
Outro impacto muito sério apontado por Nobre é a tendência de haver menos água disponível na região semiárida do Nordeste. "Essa é a região semiárida mais populosa do mundo. Vai faltar água para o abastecimento humano. Agricultura vai se tornar menos provável no futuro." A região, marcada pela seca, já sofre especialmente com a falta de chuva dos últimos dois anos.
Se globalmente não houver uma rápida redução dos gases, a região da América do Sul deve ser uma das mais afetadas do mundo – a grande biodiversidade, principalmente da Amazônia, corre um sério risco. "Até 40% das espécies podem não conseguir sobreviver", comenta nobre. A equação é intangível: ainda não existem estudos que quantifiquem economicamente o que o desaparecimento de espécies significaria.
Além dessas mudanças, também já foram identificadas a elevação do nível do mar, alterações nas características das massas de água do oceano e aumento da salinidade em alguns locais.
"O nível do mar está aumentando e variações de 20 a 30 cm esperadas para o final do século 21 já devem ser atingidas, em algumas localidades, até meados do século ou até antes disso", aponta o estudo.
No Brasil, essa alteração vem sendo reportada pela comunidade científica desde o final dos anos 1980. A intensificação do processo erosivo na costa brasileira na última década é consequência, além da mudança dos padrões de ventos e ondas, também dessa elevação.
O principal vilão do aquecimento global são as emissões de gases de efeito estufa. As maiores fontes de emissão no país são o desmatamento da Amazônia – apesar das reduções significativas nos últimos anos –, o setor agropecuário, a indústria e o setor de transporte com a queima de combustíveis fósseis.
Para o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF Brasil, Carlos Rittl, o país ainda não desenvolveu uma política integrada para enfrentar o tema. "Apesar de algum progresso nos últimos anos, a agenda climática do Brasil ainda é marginal e não integrada aos grandes planos de desenvolvimento do país,” afirma Rittl.
A organização ambiental critica a destinação dos investimentos do setor de energia: cerca de 700 bilhões de reais vão para os combustíveis fósseis, ou seja, 70% do total destinado ao setor. Desta forma, o país desperdiçaria o grande potencial das fontes renováveis de baixo impacto, como a eólica, solar, biomassa e biocombustíveis, argumenta o WWF.
Outra contradição vista pelo grupo é o investimento de mais de 107 bilhões de reais para produção agrícola e expansão agropecuária, setor que liderou o ranking de emissões do país em 2010, responsável por 35% do total. "Além de representar imensa pressão sobre as florestas nativas do país", adiciona.
Falta coerência, na opinião do WWF Brasil. Governos e instituições financeiras têm que aumentar os seus investimentos em energia renovável e sustentável e, aos poucos, devem eliminar os gastos em combustíveis fósseis. "O Brasil precisa seguir o mesmo caminho. E não é o que está acontecendo até agora,” conclui Rittl.
Foto: DW/ C. Albuquerque
Fonte: DW
Clipping por Manuela Andreoni
O impacto das Mudanças Climáticas no Brasil começa a ser investigado em detalhes. Globalmente ele é tratado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), organismo ligado ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) desde 1988. Há quatro anos, a instituição ganhou um braço por aqui, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), criado pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente. Ontem, saiu o volume inicial de seu primeiro relatório, reunindo o trabalho de 345 pesquisadores. Os outros dois serão publicados em outubro e novembro.
"A ideia não é alarmar, mas mostrar que, sem uma mudança no padrão de consumo, vamos enfrentar o desconhecido" — resume Suzana Kahn, presidente do Comitê Científico do PBMC. A cada dia aparecem novas evidências de que as Mudanças Climáticas associadas à ação humana estão em curso. Na última quinta-feira, por exemplo, um estudo de cientistas americanos e britânicos mostrou que, entre 12 desastres ambientais em 2012, pelo menos metade era, em parte, consequência da ação humana. A pesquisa, publicada no “Boletim da Sociedade Americana de Meteorologia”, desenvolveu um modelo para simular eventos extremos nas condições atmosféricas da era pré-industrial, comparando com as de hoje, de forma a detectar o quanto a presença de gases de efeito estufa os influenciou. Kahn explica que o relatório do PBMC não traz grandes novidades, mas traça o caminho já percorrido pelas pesquisas climáticas no país para tentar orientar não apenas as políticas públicas, mas também a sociedade civil e os estudiosos. Estes têm o papel de preencher grandes lacunas de conhecimento sobre fatos e consequências do panorama climático brasileiro. Não se sabe, por exemplo, quais são as consequências do aumento das temperaturas no Atlântico Sul sobre o nível do mar, ou o processo erosivo observado na costa brasileira.
É ressaltada ainda a falta de conhecimento sobre a produção e transporte de aerossóis, altamente poluentes. Suzana se preocupa particularmente com o papel das cidades brasileiras neste processo. A ideia é que algumas dúvidas sejam solucionadas no próximo relatório do PBMC, daqui a três anos, seguindo o ciclo do IPCC. A maioria dos estudos científicos incluídos no relatório foi elaborada a partir de 2007 para cá. Eles mostram, por exemplo, as previsões de alta na temperatura e variação no nível de precipitação até o fim do século. No período, as temperaturas podem aumentar 6°C na Amazônia e 4,5°C na Caatinga, acelerando seu processo de Desertificação.
Outro dado de impacto trata das consequências dessas mudanças sobre a agricultura. As perdas do setor são estimadas em R$ 7,4 bilhões até 2020, e R$ 14 bilhões até 2070. Há preocupação também em relação à saúde, já que o período mais quente, em que se proliferam doenças transmitidas por mosquitos, pode se alargar. No entanto, estes setores já enfrentam tantos obstáculos que a questão climática virou coadjuvante, ressalta Suzana. Mas é o potencial do Clima de acentuar desigualdades o ponto mais preocupante trazido pelo relatório, na opinião da especialista. Ela lembra que, não só no Brasil, as vítimas dos enormes desastres naturais são frequentemente os mais pobres, ou os que têm menos condições de se recuperar da crise. — Elas são também as menos responsáveis — argumenta Suzana, ressaltando que as Mudanças Climáticas são principalmente fruto do consumo exacerbado.
Para a cientista, por mais que seja importante a responsabilização das elites, cair em discussões de responsabilidades históricas entre países ou estados mais ou menos pobres não tem surtido efeito, mas, sim, postergado soluções nos últimos 20 anos. — O que tem ajudado é a conscientização sobre o que é insustentável, e dos custos associados a isso.
Fonte: Clip Tv News
O Brasil já deveria estar se adaptando muito mais às mudanças climáticas, na opinião do secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Carlos Nobre. Pouco antes do lançamento oficial do primeiro relatório de avaliação nacional sobre clima, produzido pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Nobre demonstrou ontem a preocupação com a necessidade de haver mais políticas públicas e ações da iniciativa privada brasileira sobre transformações no meio ambiente que são, segundo ele, inexoráveis.
Projeções do PBMC indicam que a temperatura média no Brasil será de 3 a 6 graus Celsius mais elevada em 2100 do que no final do século XX, dependendo do padrão futuro de emissões de gases de efeito estufa.
O relatório mostra também que na Amazônia e na Caatinga a quantidade de chuvas pode ser 40% menor e, nos Pampas, há uma tendência de aumento de um terço nos índices de chuvas.
Carlos Nobre reclama que apesar de o setor da agricultura brasileira tomar medidas de planejamento em relação às mudanças climáticas — porque os agricultores já estão sentindo na prática os efeitos das alterações no clima — em outras áreas não há ações sendo feitas.
— O Brasil já deveria estar se adaptando muito mais às mudanças climáticas. Por exemplo: é inexorável que o nível do mar vai aumentar. Não sabemos exatamente quando. Até o final do século pode ser 50 cm, até 1 metro, 1,20 metro. Isso não tem mais como mudar. Mas o Brasil tem políticas de uso do espaço costeiro de convivência com esse aumento? Não. Até agora não tem. É como se o nível do mar não existisse — disse Carlos Nobre.
O secretário diz que se preocupa muito com o desenvolvimento de políticas de adaptação no Brasil que assegurem uma transição para um desenvolvimento sustentável a curtíssimo prazo.
— Não é a médio prazo, dez anos, 20 anos, 30 anos — diz.
Segundo ele, o Ministério da Ciência e Tecnologia está fazendo o seu papel, de investir no desenvolvimento de pesquisas e geração de conhecimento, mas ainda falta uma maior integração entre pesquisas e criação de políticas. Na opinião dele, é preciso que outros setores do governo e outros agentes se mobilizem.
— Eu espero que essa reunião do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas sirva como um despertar, para chamar a atenção dos formuladores e da sociedade em geral, porque não existe formulação de política pública que não seja através de uma pressão social — disse. — (O ministério de Ciência) é o ministério que oferece diagnósticos. E muitas das políticas não são nem federais, elas são estaduais, setoriais, ou têm que ser adotadas pela iniciativa privada —completou Carlos Nobre.«
Foto: Neiva Daltrozo / SECOM