Os reais impactos das mudanças climáticas no Brasil, segundo o Painel Brasileiro

hidreletrica-climaEntre as principais conclusões do Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas estão as mudanças nos padrões de precipitação, que alteram a distribuição da vazão dos rios. A demanda por energia vai aumentar e será preciso buscar soluções para o setor.

Declínio da biodiversidade, aumento do nível do mar, perda do potencial de pesca, redução da produção agrícola, aumento das ondas de frio e calor. O país já sofre com os efeitos das alterações do clima no planeta

Alteração na vazão dos rios, declínio da biodiversidade, aumento do nível do mar e da acidificação dos oceanos, inundações, deslizamentos, perda do potencial de pesca, redução da produção agrícola, migração da população rural para as cidades, aumento das ondas de frio e calor… “Não estamos preconizando o fim do mundo. Elaboramos um relatório que apresenta um diagnóstico: o Brasil está vulnerável às mudanças climáticas e já sofre alguns impactos. Mas, se trabalharmos rápido, podemos minimizar muito esse cenário”, ressalta Eduardo Delgado Assad, pesquisador da Embrapa.

Ao lado de Antônio Rocha Magalhães, o especialista coordenou o Grupo de Trabalho sobre impactos, adaptações e vulnerabilidades das mudanças climáticas no Brasil, do primeiro relatório nacional a respeito do tema, lançado nesta segunda-feira (9 de setembro), pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, em São Paulo. Eles fazem parte do comitê cientifico presidido por Suzana Kahn.

Eduardo Delgado Assad - Foto: Divulgação/IICA

Abaixo, as principais considerações de Assad sobre os resultados do GT2 do relatório.

CHUVA MALUCA

“Entre as principais conclusões do GT2, em termos de recursos hídricos, estão as mudanças nos padrões de precipitação, que alteram a distribuição da vazão dos rios. Isso faz com que momentos de seca e enchentes se tornem mais intensos e frequentes. Por exemplo, os rios do leste da Amazônia e do nordeste podem ter redução de vazão de até 20% até o final do século, o que significa uma redução de 20% na oferta de água. Na bacia do rio Tocantins, a queda pode chegar a 30%, enquanto na bacia do Paraná e rio Prata pode haver aumento de 10 a 40% na vazão.

Ao detectarmos essa redução da oferta de água em alguns pontos do Brasil, enxergamos impactos no setor energético. Em alguns anos, teremos muita água e, em outros, teremos muito pouca. Ou seja, aquela tranquila estabilidade que a matriz hidrelétrica do país nos dava não vai mais existir. O Brasil precisa crescer, a demanda por energia vai aumentar e temos que buscar soluções para o setor. Tendo sol, vento e biomassa, com certeza a proposta do governo de ligar termoelétricas a carvão não é a melhor opção a longo prazo”.

S.O.S ESPÉCIES

“De maneira geral, todos os ecossistemas brasileiros são vulneráveis e vão ser bem afetados peloaquecimento global. Podemos ter declínio de biodiversidade em todos os ecossistemas de água doce e terrestre, mas principalmente nas regiões mais populosas do Brasil, como os ecossistemas aquáticos continentais.

Os ecossistemas oceânicos são os menos conhecidos pelos pesquisadores. Faltam muitos dados para podermos ser mais conclusivos, mas sabemos que o aumento da temperatura e a acidificação da água do mar impactarão essas áreas de forma negativa, o que implica em perdas significativas da biodiversidade marinha.

Por exemplo, nos próximos 40 anos, a previsão é de que o Brasil diminua em 6% seu potencial máximo de pesca. Pode parecer pouco, mas é um número enorme, se levarmos em conta que temos 8 mil km de costa. Este é um dado novo que me surpreendeu muito. Um dos maiores ganhos econômicos que o Brasil tem, que são os recursos pesqueiros da costa, começa a ser ameaçado pelo aquecimento global e a acidificação. É algo violento”.

CUIDADOS NA COSTA

“Há tendência de aumento no nível do mar, que ainda não conseguimos precisar de quanto será, por conta do nível dos estudos que há no Brasil. Mas já detectamos que as áreas com biodiversidade acentuada nas zonas costeiras, principalmente os manguezais, vão estar ameaçados por esse impacto. Uma pessoa que tem 20 e poucos anos hoje, por exemplo, pode ter filhos que talvez não tenham a chance de conhecer os manguezais, se nada for feito rapidamente.

Além disso, chuvas mais intensas provocam instabilidades nas áreas costeiras, como inundações e deslizamentos de falésias, que inclusive já estão sendo observados. Em longo prazo, esses fenômenos, associados ao aumento das tempestades e ventos, podem causar efeitos negativos até nas estruturas de linha das praias. São as famosas ressacas, cada vez mais intensas no litoral brasileiro”.

SEGURANÇA ALIMENTAR

“Se nada for feito, o Brasil pode perder até R$ 7 bilhões, em termos de produção agrícola, nos próximos 40 anos. Isso porque algumas culturas vão ser afetadas pelas mudanças climáticas. O café terá problemas de expansão de área, por exemplo, enquanto a soja e o milho podem ter impacto de cerca de 30% nas áreas de baixo risco.

A boa notícia é que o Brasil já está desenvolvendo espécies cultiváveis tolerantes às mudanças do clima e implantando a agricultura de baixa emissão de carbono, desde 2010. Porém, ainda não conseguimos ver os impactos positivos disso. Esses efeitos não aparecem tão rápido quanto os do combate ao desmatamento na Amazônia, por exemplo”.

SOLIDÃO NO CAMPO

“Entre os principais impactos das mudanças climáticas nas áreas rurais está a redução da oferta de terras agricultáveis. Além disso, haverá forte migração da população do campo para as cidades, já que vai ficar muito seco em algumas regiões, sobretudo no Nordeste”.

CAOS NA CIDADE

“O maior problema do Brasil hoje está nas áreas urbanas, tanto é que as medidas de adaptação para erosão costeira, onde está a maior parte da população brasileira, são as mais evidenciadas no relatório. Temos hoje uma grande vulnerabilidade na infraestrutura urbana, que já é vista nos alagamentos, deslizamentos e em tantos outros eventos que mostram que é preciso uma revisão urgente do modelo – principalmente porque o aumento das chuvas intensas vai ampliar o problema e porque a quantidade de pessoas nas cidades aumentará muito.

Medidas preventivas podem ajudar bastante, mas elas têm que ser feitas. Há mais de 10 anos isso é falado. É preciso que os gestores públicos priorizem a questão. Enquanto avançamos em áreas como desmatamento e agricultura, nas cidades assistimos ao aumento do número de carros, à falta de políticas para transporte multimodal eficiente, à ausência de zoneamento urbano definido. Ou seja, vemos o caminho inverso. Há 30 anos pessoas morrem no Brasil por conta de deslizamentos, mas, quando acaba o verão, todos esquecem. É preciso ter soluções mais firmes, se não vai morrer muita gente”.

TÁ FRIO, TÁ QUENTE

“Ondas de calor e frio são eventos extremos que acontecem com cada vez mais frequência. A neve, por exemplo, chegou na divisa de São Paulo com o Paraná. Todo esse desequilíbrio causado peloaquecimento global tem efeitos diretos na saúde, bem-estar e segurança da população e pode, inclusive, aumentar a mortalidade no país. A maioria dos brasileiros mora em barracos e não tem como se proteger das ondas de frio, por exemplo.

Grupos populacionais em pior condição de renda, educação e moradia, com certeza, são os que mais sofrerão com os impactos das mudanças climáticas. Já em termos de região, sem dúvida nenhuma, o nordeste está mais vulnerável às alterações do clima”.

FIM DO MUNDO?

“Não estamos preconizando o fim do mundo. Elaboramos um relatório que apresenta um diagnóstico: o Brasil está vulnerável às mudanças climáticas e já sofre alguns impactos. Mas, se trabalharmos rápido, podemos minimizar muito esse cenário. A questão é que tem que ser feito, se não vamos ficar para sempre reclamando do que já passou. Alguns setores, como o da agricultura, já começaram a se preparar para a adaptação, mas é preciso que outras áreas, como a de transporte, energia e saúde, façam o mesmo rapidamente.

Hoje, para que o Brasil possa enfrentar os próximos 30 anos em condições razoáveis de crescimento econômico e bem-estar da população, é preciso que sejam adotadas medidas preventivas e de adaptação, principalmente nas zonas costeiras, onde vive 85% da população brasileira. Mas estou otimista. Acredito que, de posse do relatório, feito por 400 cientistas brasileiros, que mostra que o negócio é sério, as autoridades vão incluir em suas políticas públicas ações de adaptação, prevenção e mitigação”.

Fonte: National Geographic Brasil

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