Com controle de desmate, Brasil pode alcançar meta de emissão

SÃO PAULO  -  O Brasil está no caminho de alcançar o compromisso voluntário de redução de emissões até 2020 ao controlar o desmatamento na Amazônia. A má notícia é que a tendência de todos os outros setores da economia é de crescimento das emissões. O país tem que discutir cenários de redução para depois de 2020, com novas medidas e novas políticas.

Esta é a mensagem principal do sumário executivo do estudo “Mitigação das Mudanças Climáticas”, a última parte do primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN), produzido por 345 pesquisadores de todo o país reunidos no Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). O estudo foi lançado nesta quinta-feira no Congresso Nacional de Pesquisa e Ensino em Transporte, em Belém, no Pará, e sugere medidas de redução de emissões nos vários setores da economia. Trata-se da parte do relatório que mais traz elementos de debate para políticas públicas.

 “As emissões da agropecuária e silvicultura representam mais de um terço do total do Brasil, mantendo-se em uma tendência crescente”, diz o sumário executivo. “No entanto, existem muitas oportunidades de mitigação, destacando-se a recuperação de pastagens e a expansão das florestas comerciais”, indica o estudo. 

Grande parte destas emissões são produzidas pelo gado e o manejo de culturas de soja, milho, cana de açúcar e arroz, que ocupam mais de 70% da área de cultivo nacional. De 1990 a 2005, as emissões do setor aumentaram 37%, fruto do crescimento dos rebanhos, da área plantada e do uso excessivo de fertilizantes, diz o estudo. 

O relatório avaliou o cenário para 2020, da agropecuária, com a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens, aumento do plantio direto de lavouras em 8 milhões de hectares, expansão do plantio de florestas em 3 milhões de hectares, eliminação da queima na colheita da cana, o uso de aditivos na dieta do gado, o tratamento de dejetos dos suínos e a redução do uso de nitrogênio. Os resultados das pesquisas estimaram que com essas medidas é possível diminuir a emissão de gases-estufa entre 163,3 e 248,5 Mt CO2eq em 2020.

“Ainda há tempo para agir”, diz Suzana Kahn Ribeiro, presidente do comitê científico do PMBC. “Basta redirecionar um pouco os investimentos, ter esta preocupação em mente”, diz ela. “Para reduzir o carbono da economia é preciso mecanismos de incentivos e tributação, e ter este olhar nos investimentos.” 

No setor industrial é preciso incentivar ações de eficiência energética, substituição de combustíveis fósseis por biomassa e solar, além de outras fontes menos emissoras. Recomendam-se, também, adotar processos industriais que sejam menos intensivos no uso de energia. A indústria responde por cerca de 38% do consumo de energia no Brasil. “Estima-se que o potencial técnico de abatimento destas emissões até 2030 seja superior a 1,5 bilhão de toneladas acumuladas, o que corresponde a quase 5 vezes as emissões totais da indústria em 2005.”

Isso, diz o estudo, desde que novas políticas incentivem o uso de tecnologias menos emissoras, a adoção de processos mais eficientes nas expansões industriais e de tecnologias mais modernas. Também é preciso estimular mais reciclagem e uso eficiente de materiais. 

“O Brasil está abandonando todo o nicho de energia solar, mesmo para aquecimento de água, que é barato”, diz Suzana Kahn. “Ficamos confortáveis por causa da energia hidrelétrica e isso nos deixou preguiçosos, como se não precisássemos mais lutar para competir. Com carvão estamos indo na direção contrária da tendência do século 21. É preciso corrigir este rumo e entrar na trilha da economia verde ampliando a oferta de renováveis”. 

Ela lembra que o Brasil tem uma das maiores reservas de silício mas não o beneficia em grau suficiente para que seja utilizado na fabricação de placas de energia solar, apenas para uso metalúrgico. “Quando se começa a investir em novas tecnologias, movimenta-se toda a cadeia e geram-se empregos. Ou se começa a importar tudo.” 

“O Brasil tem um potencial gigantesco para geração de energia baseada em fontes renováveis, entretanto, no horizonte até 2021, as emissões do setor de energia devem saltar de 30 milhões de toneladas de CO2 equivalente (medida que iguala todos os gases do efeito estufa ao potencial de aquecimento do dióxido de carbono) , em 2011, para 69 Mt CO2 eq”, diz o estudo. “A energia solar, apesar de ainda ser aplicável em alguns nichos, tem um potencial ilimitado.”

O transporte rodoviário poderá, em 2020, emitir 60% a mais que em 2009, alcançando 270 milhões de toneladas de CO2. “O Brasil apresenta potencial de mitigação das emissões de CO2 no transporte principalmente por ter sua matriz de transportes desequilibrada, e com ênfase no modo rodoviário, tanto para cargas quanto para passageiros. Existe também a possibilidade de melhoria na qualidade dos combustíveis e/ou utilização de biocombustíveis de diferentes fontes”, diz o estudo.

“Estamos na contramão”, diz Suzana Kahn. “O Brasil é enorme, continental e carrega tudo por caminhão o que é ineficiente tanto pelo aspecto energético como ambiental. É tudo baseado em diesel”. Continua: “Um país tão grande deveria ter uma malha ferroviária muito melhor, usar a costa para cabotagem. E mais metrô nas cidades”. O estudo também aponta como o etanol, muito menos poluente, tem dificuldades em competir com gasolina subsidiada.

Não é só na oferta de energia e mudança de rota de alguns investimentos e políticas públicas que o Brasil deveria fazer ajustes, aponta o relatório, se quiser reduzir emissões. “Há outro aspecto importante, ainda difícil de mensurar, que é atuar também pelo lado da demanda”, diz a presidente do PBMC. “Temos que ter oferta de energia mais limpa, mas a questão do padrão de consumo é muito importante ou ficaremos enxugando gelo”, continua. “Acaba havendo desperdício. É preciso atuar em uma gestão mais eficiente do uso de energia, dos recursos naturais, da água, e também do consumo e do comportamento. Ou vai ser muito difícil continuar atendendo esta demanda crescente de energia.”

Ela lembra o exemplo japonês, que no inverno e no verão diminuiu, por lei, a diferença de temperatura interna e externa nos prédios públicos. “O ambiente fica em uma temperatura confortável e esta diferença significa um gasto de energia monumental. Há medidas simples que podem ser eficientes e evitar o desperdício”, diz Suzana Kahn. 

FONTE: VALOR ECONÔMICO

 

Unicast