IPCC, cada vez mais certo

A ciência do clima vem progredindo continuamente, reduzindo as incertezas acerca das consequências do aumento da concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. O avanço é lento por conta das inúmeras variáveis envolvidas no processo. O clima abrange vários sistemas, tais como atmosfera, oceanos, biosfera, que não só têm sua própria dinâmica como interagem entre si, provocando retroalimentações positivas (no caso de potencializar o efeito) e negativas (anulando o efeito).

Sendo assim, o entendimento do clima e suas variações é muito complexo e, tal qual um quebra cabeça, não se pode analisar apenas uma parte, pois se perde a visão do conjunto. Portanto, é fundamental se ter em mente a cadeia das mudanças climáticas, de maneira que se possa avaliar onde residem as incertezas e os fatos; entre o que é medido e o que é inferido e simulado.

Vários são os ganhos deste novo relatório do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, a ser divulgado este mês em Estocolmo. No meu entendimento, o maior deles está na confirmação e reforço daquilo que já foi expresso e alertado nos relatórios anteriores. Esta ratificação do que já foi dito, aumentando o nível de certeza, desqualifica e descredencia a suspeita de que poderia ter havido uma “conspiração” por parte dos cientistas envolvidos no IPCC, tema debatido acaloradamente por grupos que se denominam de “céticos” desde a divulgação do Quarto Relatório em 2007.  O nível de certeza aumentou principalmente com a melhoria dos dados observacionais. Desde o  relatório passado, a base de dados aumentou bastante, incluindo uso de satélites além de medições locais.

Adicionalmente, os modelos computacionais usados no trabalho de simulações e projeções climáticas se sofisticaram, além do emprego de ferramentas estatísticas na avaliação do que se observa e do que é obtido por modelagem.

Ou seja, o Quinto Relatório restaura a confiança no IPCC. Isto ajuda os tomadores de decisão, uma vez que as políticas de enfrentamento às mudanças climáticas muitas vezes interferem com interesses bem estabelecidos, outras vezes implicam em custos adicionais e, ainda, em alguns casos, são impopulares.

Porém, muitas lacunas ainda persistem. Exatamente por conta destas incertezas, o relatório é repleto de qualificadores para relativizar as afirmações. Trabalha-se com probabilidades, faixas e tendências. No entanto, vale lembrar que a ciência não nos fornece certeza absoluta, não é uma ideologia nem questão de fé.  O método científico progride em cima de hipóteses, teses e teorias fundamentadas e está sempre aberto a novas descobertas.

É fato o aumento da concentração de GEE na atmosfera, também é certo que a temperatura média global da superfície terrestre vem aumentando desde o século XIX. Isto é medido. O que não se sabe ao certo é como este aumento de temperatura se relaciona com a precipitação, por exemplo. O uso de médias prejudica análises regionais. O papel de nuvens e aerossóis precisa ser mais bem compreendido. Difícil extrair conclusões sobre eventos extremos, ainda mais em regiões onde não há muitos registros estatísticos. Assim sendo, não se nega a falta de clareza de como o clima irá reagir em função das mudanças na composição da atmosfera, sobretudo em nível regional.

Há certeza, no entanto, de que estamos exaurindo os recursos da Terra e que as emissões humanas estão se sobrepondo a outros fatores complexos que fazem o clima flutuar.

Para sustentar as atividades humanas, se transfere o carbono estocado pela natureza ao longo dos anos para a atmosfera, sem que haja nenhum ciclo natural de resgate deste carbono, lançado adicionalmente pelo homem, provocando um desequilíbrio estabelecido há séculos.

Ajustes para um novo equilíbrio ocorrerão, só que com alterações no padrão climático que conhecemos hoje, causando uma série de impactos no nosso modo de vida. No entanto, é inegável que qualquer impacto ambiental não será percebido de maneira igual por todas as regiões nem por todos os habitantes do planeta. Há que se considerar as diferentes vulnerabilidades, sejam elas geográficas como pequenas ilhas ou países continentais, sejam elas econômicas como países ricos e pobres.

A solução não é trivial sendo, portanto compreensíveis os debates exaltados entre políticos, negociadores na Convenção do Clima. Estamos diante de uma questão estratégica e delicada. O Quinto Relatório do IPCC mostra que os modelos estão sendo gradativamente melhorados, as incertezas reduzidas, e a ciência vai avançando no seu ritmo, confirmando a interferência do homem no clima do planeta. Porém, decisões urgentes sobre caminhos e modelos de desenvolvimento precisam ser tomadas agora para minimizar os danos futuros, nem que seja apenas considerando o principio da precaução. Isto não cabe aos cientistas.


*Suzana Kahn é engenheira mecânica com mestrado em planejamento energético e ambiental e doutorado em engenharia de produção pela COPPE/UFRJ, onde leciona. É presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, vice-presidente do Grupo III do IPCC, consultora Ad Hoc do CNPq e subsecretária de economia verde do Estado do Rio de Janeiro.





Foto: climatesafety/Creative Commons

Fonte: Planeta Sustentável

 

 

 

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