Por Elton Alisson.
Os efeitos das mudanças climáticas já são percebidos e sentidos em diversos países e regiões do mundo, inclusive no Brasil. É necessário, portanto, que os governos comecem a implementar de forma urgente medidas de mitigação e adaptação para diminuir a vulnerabilidade de suas populações e de setores econômicos às variações do clima.
As conclusões são do Sumário para Formuladores de Políticas (SPM) do Relatório sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), apresentado nesta terça-feira (1º de abril) na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.
O documento, com 44 páginas, é um resumo do relatório de cerca de mil páginas sobre impactos, adaptação e vulnerabilidades climáticas preparado pelo IPCC e apresentado no domingo em Yokohama, no Japão.
“O SPM foi escrito especialmente para os tomadores de decisão dos países”, disse José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos 1.719 autores do relatório geral. Marengo é o único representante brasileiro que redigiu a conclusão do sumário para formuladores de políticas.
“Uma das principais mensagens do documento é que as mudanças climáticas já estão acontecendo e afetando as populações. Não vamos precisar esperar mais 20 ou 30 anos para ver a ocorrência de eventos climáticos extremos, como inundações ou secas intensas e ondas de calor, como as que temos observado no Brasil nos últimos anos”, afirmou Marengo, durante o evento.
De acordo com o pesquisador, esses fenômenos climáticos extremos vivenciados neste e em outros países têm ajudado a entender a magnitude das variações do clima e estimulado as nações a adotarem medidas de adaptação.
O Brasil implantou um programa de agricultura de subsistência no Nordeste de melhoramento de plantas adaptadas às mudanças climáticas e tem se dedicado a conservar seus principais ecossistemas, como a Amazônia e a Mata Atlântica, por meio do estabelecimento de corredores biológicos.
O país, contudo, precisa implementar ações de adaptação permanentes, que solucionem, de forma definitiva, problemas relacionados às mudanças climáticas que afetam a população, segundo Marengo.
“A primeira etapa para a adaptação é reduzir a vulnerabilidade à exposição ao clima no presente e isso está acontecendo no Brasil de forma lenta”, avaliou. “A população no Nordeste é afetada frequentemente pela seca, um problema que sempre ocorreu na região.”
Algumas medidas de adaptação à seca que têm sido implementadas no Nordeste são a construção de cisternas para acumular a água de chuvas, exemplificou o pesquisador.
O problema, no entanto, é que, quando a seca perdura muito tempo, como tem acontecido na região nos últimos anos, não há como acumular água porque quase não há estação chuvosa, avaliou.
“A adaptação às mudanças climáticas têm de ser uma medida permanente. Não é algo que se resolve agora, sobre um determinado problema climático que afeta uma população, e depois, no próximo ano, se avalia o que pode ser feito caso o problema volte a surgir”, afirmou.
De acordo com os pesquisadores autores do relatório, a capacidade de adaptação às mudanças climáticas dos países das Américas do Sul e Central nos últimos anos melhorou, em parte em razão de iniciativas implantadas por algumas nações, mas também por causa da redução da pobreza.
As condições socioeconômicas nas Américas do Sul e Central melhoraram, ainda que em um ritmo lento, desde a publicação, em 2007, do Quarto Relatório de Avaliação (AR4) do IPCC, apontaram os pesquisadores.
Há ainda, contudo, um elevado e persistente nível de pobreza e de desigualdade socioeconômica na maioria dos países das duas regiões, que resulta em dificuldades de acesso à água potável, saneamento e habitação adequada, especialmente para os grupos mais vulneráveis.
Esse conjunto de fatores contribui para a baixa capacidade de adaptação às mudanças climáticas dessas populações, indica o relatório. “As mudanças climáticas deverão afetar, em maior parte, as populações mais pobres e situadas nas regiões mais tropicais do planeta”, disse Marengo.
O relatório ressalta que as projeções climáticas realizadas após o AR4 preveem aumento de temperatura de 1,7 ºC a 6,7 ºC na América do Sul e entre 1,6 ºC a 4 ºC na América Central em 2100.
Já as chuvas devem diminuir em 22% no Nordeste do Brasil e entre 22% a 7% na América Central também em 2100. Por sua vez, aumentarão os períodos de seca na região tropical da América do Sul e leste dos Andes, e a frequência de dias e noites quentes na maioria das regiões da América do Sul.
Ainda de acordo com o relatório, deverá aumentar a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, como secas persistentes, chuvas fortes e inundações.
Alguns possíveis impactos dessas alterações climáticas nas duas regiões serão a extinção de hábitats e de espécies significativas, principalmente na região tropical da América Latina; substituição de florestas tropicais por savanas e vegetação semiárida por árida; aumento do número de pessoas em situação de estresse hídrico (com falta de água); e aumento de pragas em culturas agrícolas e de doenças, como a dengue e malária nas populações.
“Os maiores impactos das mudanças climáticas na América do Sul deverão ser na segurança hídrica e alimentar e na saúde da população”, avaliou Marengo.
Segundo os pesquisadores autores do relatório, as mudanças no uso da terra nas duas regiões – como o desmatamento e a degradação ambiental – contribuem significativamente para a piora ambiental e deverão agravar os impactos negativos das alterações climáticas.
Apesar das taxas de desmatamento na Amazônia terem diminuído substancialmente desde 2004 para uma média de 4.656 quilômetros quadrados em 2012, regiões como o Cerrado brasileiro ainda apresentam altos índices de desmatamento, com taxas médias de 14.179 quilômetros quadrados por ano no período de 2002 a 2008, aponta o relatório.
“Os riscos das mudanças climáticas podem aumentar com a elevação das emissões de gás carbônico geradas pela queima de combustível fóssil", disse Marengo.
Os altos níveis de desmatamento e degradação do solo observados na maioria dos países da região são atribuídos, principalmente, à expansão da agricultura extensiva e intensiva para atender a crescente demanda mundial por alimentos.
As duas atividades que tradicionalmente dominam a expansão agropecuária da América do Sul são a soja e a carne, no Brasil, e algumas das áreas mais afetadas pela expansão da fronteira agrícola no país estão nas bordas da Floresta Amazônica, no Brasil, Colômbia, Equador, Peru e nos Andes tropicais.
“É importante considerar as necessidades políticas e legais para manter esse processo de mudança de terra em grande escala sob controle tanto quanto for possível”, destaca o relatório.
Na avaliação dos pesquisadores brasileiros, autores do relatório, uma das mudanças sensíveis do Quinto Relatório do IPCC em relação ao AR4 é o foco em adaptação e mitigação.
Para cada projeção de mudanças climáticas para diversas partes do mundo feita no relatório há indicações de ações de adaptação e mitigação, destacou Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do capítulo 27 do relatório, sobre os impactos das mudanças climáticas nas Américas do Sul e Central.
“O relatório deixa muito claro que o problema das mudanças climáticas é irreversível e, portanto, é necessário adotar e implementar medidas adaptativas”, disse Buckeridge, à Agência FAPESP.
“A fase de mitigação está diminuindo e a de adaptar está chegando, porque os países não conseguiram fazer mitigação dentro do que era necessário para que os impactos diminuíssem”, avaliou.
Além de Buckeridge e Marengo, outros pesquisadores brasileiros que participaram da elaboração do relatório do IPCC foram Carlos Afonso Nobre, secretário de Políticas e Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Maria Assunção Silva Dias, da USP; Carolina Dubeux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Fábio Scarano, da Conservação Internacional; Jean Pierre Ometto, do Inpe, e Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Foto: Marcello Casal Jr/ABr
Fonte: Agência FAPESP
Por Elton Alisson
A China tem mais de 10 mil periódicos científicos, dos quais cerca de 5 mil são das áreas de Ciências Exatas, Tecnologia e Medicina e publicados principalmente por instituições de pesquisa, universidades, sociedades e associações científicas.
A fim de aumentar o impacto científico internacional dos artigos publicados, a China executa uma ampla reforma de suas publicações científicas acadêmicas, que inclui aumentar a qualidade, profissionalizar e internacionalizar funções, processos e conteúdos editoriais.
Os detalhes do plano foram abordados por Yan Shuai, editor-chefe associado da editora Tsinghua University Press, da Tsinghua University, em Beijing, durante palestra no 1st Brazil-China Bilateral Meeting on STM Publishing, realizado no dia 23 de maio, na FAPESP.
Promovido pela SciELO – Scientific Electronic Library Online, um programa da FAPESP –, o encontro reuniu editores de periódicos e profissionais de comunicação científica da China e do Brasil com o objetivo de compartilhar ideias, informações e experiências em editoração, publicação e disseminação de periódicos para aumentar a visibilidade internacional das publicações dos dois países.
“Uma das diferenças dos periódicos científicos publicados na China em relação aos ocidentais é que não há muitos deles publicados por editoras”, disse Shuai.
“Temos aproximadamente 5 mil revistas científicas [das áreas de Ciências Exatas, Tecnologia e Medicina ] editadas e publicadas por mais de 2 mil organizações e somente algumas por editoras, enquanto na Europa, por exemplo, as revistas de universidades são publicadas, em sua maioria, por editoras”, comparou o editor-chefe da editora da Tsinghua University, que conta com 14 títulos nas áreas de Tecnologia da Computação, Ciência e Engenharia, Economia, Gestão e Ciências Humanas, Educação Profissional e Línguas Estrangeiras, e planeja lançar em 2014 um na área de Medicina Tradicional Chinesa.
De acordo com Shuai, uma das principais razões para o baixo número de revistas científicas publicadas por editoras na China é que, tradicionalmente, são as universidades e instituições de pesquisa chinesas que realizam o trabalho de seleção, revisão por pares, edição e publicação de artigos científicos.
Há algum tempo, contudo, a agência regulamentadora de imprensa e publicações da China – chamada, em inglês, General Administration of Press and Publication (GAPP) – começou a implementar uma reforma das publicações do país, estabelecendo que as universidades e instituições de pesquisa podem delegar a editoras comerciais as funções de publicar e distribuir em diferentes plataformas o conteúdo das revistas científicas chinesas.
“Um dos principais objetivos da reforma é distinguir e separar o trabalho acadêmico de edição de revistas científicas realizado pelas universidades do negócio de publicação”, disse Shuai. “As universidades poderão continuar com o trabalho de seleção de artigos e a revisão por pares e decidir pela publicação. Por sua vez, as editoras poderão publicar e distribuir o conteúdo.”
A reforma na publicação de revistas acadêmicas chinesas pretende integrar os recursos acadêmicos, de edição, as plataformas digitais e os principais periódicos acadêmicos chineses para formar grupos de revistas profissionais e de editoras comerciais no país e promover o desenvolvimento das revistas acadêmicas, apontou Shuai.
“As perspectivas da reforma são tornar o mercado editorial de revistas científicas da China mais aberto para o exterior e promover a cooperação com editoras internacionais e a publicação on-line dos artigos científicos publicados por pesquisadores chineses. A ideia é fortalecer as publicações de maior impacto, integrar e reestruturar aquelas com potencial de crescimento e desativar as mais fracas”, disse.
Um dos investimentos mais importantes feitos no âmbito da reforma foi o lançamento, em setembro de 2013, de um projeto pela Associação Chinesa para Ciência e Tecnologia – entidade que congrega as sociedades científicas e tecnológicas do país – para aumentar a projeção internacional das revistas científicas chinesas já publicadas em inglês, contou Shuai em uma reunião realizada com representantes do programa SciELO na FAPESP no mesmo dia do evento.
Denominado Project for Enhancing International Impact of China STM Journals (PIIJ, na sigla em inglês), o projeto prevê o convite de cientistas estrangeiros de destaque para serem editores-chefes ou associados, reestruturação do conselho editorial, melhora do processo de revisão por pares adotado pelas publicações e busca atrair artigos científicos de qualidade, especialmente resultados de pesquisas apoiadas pelo governo chinês.
O projeto também pretende investir cerca de US$ 340 mil por ano até 2018 em um grupo de periódicos chineses com maior fator de impacto científico. Entre eles, o Nano Research e oInternational Journal of Oral Science, publicados pela Tsinghua University Press.
Segundo Zeng Jie, editora da Tsinghua Univesity Press, a China tem cerca de 2 mil universidades e faculdades. Mais de 600 realizam atividades de pesquisa e possuem aproximadamente 700 mil cientistas e engenheiros. O país publica, em média, cerca de 600 mil artigos científicos por ano, principalmente em suas revistas científicas nacionais.
Do total de 5 mil títulos em Ciências Exatas, Tecnologia e Medicina, no entanto, apenas 240 são publicados em inglês e, desse total, 147 estão presentes na base do Journal Citation Reports(JCR) – recurso que permite avaliar e comparar publicações científicas na Web of Science, apontou Jie.
“A reforma na publicação de revistas acadêmicas também tem o objetivo de aumentar o número de periódicos que publicamos em inglês e o impacto científico internacional delas”, disse Jie durante o evento.
Jie e Shuai apontaram ainda que as revistas acadêmicas da China também enfrentam o problema da falta de uma plataforma de publicação como a SciELO.
De acordo com dados apresentados durante o evento por Rogério Meneghini, diretor científico da Rede SciELO, a China tem mais revistas científicas nacionais publicadas em inglês na Web of Science do que o Brasil – com um percentual de 73,5% contra 50,3% das revistas científicas brasileiras presentes na base.
Em comum, as revistas científicas dos dois países presentes na Web of Science têm um número muito próximo de artigos científicos com autores nacionais – respectivamente 83% no caso da China e 82,9% do Brasil, apontou Meneghini.
“Nos países emergentes ou em desenvolvimento [como o Brasil e a China], os periódicos nacionais são voltados, principalmente, para dar vazão à produção científica dessas nações”, disse Meneghini.
“Nas revistas científicas publicadas em países desenvolvidos, os artigos nacionais representam, em geral, uma minoria [em relação aos artigos publicados por autores estrangeiros]”, comparou.
Na avaliação de Meneghini, essa tendência se deve ao fato de que os periódicos científicos dos países desenvolvidos têm uma repercussão internacional maior do que a dos países em desenvolvimento. Por isso, tendem a publicar mais artigos de outros países.
Já os periódicos de países em desenvolvimento têm menor repercussão internacional e por isso têm vocação de dar maior vazão aos próprios artigos do que aos de outras nações. “Essa tendência pode mudar na medida em que a ciência dos países emergentes for se desenvolvendo”, disse Meneghini à Agência FAPESP
Outra diferença, segundo Meneghini, está na citação de artigos. Os países desenvolvidos ou emergentes tendem a apresentar um equilíbrio na citação de seus próprios artigos e de outras nações. Já no caso dos países desenvolvidos, a grande maioria dos artigos citados é de outros países, apontou.
“Oitenta e cinco por cento das citações feitas nos artigos publicados pela Suécia entre 2010 e 2011, por exemplo, eram de trabalhos publicados por outros países”, disse Meneghini.
O Brasil tem 5.068 periódicos científicos, classificados pelo sistema Qualis, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), destacou Abel Packer, coordenador do programa SciELO, durante o evento.
Já a SciELO Brasil conta atualmente com cerca de 278 revistas, publicadas por 176 diferentes instituições, que formam uma coleção dos principais títulos científicos nacionais disponíveis em acesso aberto na internet, e já avaliou mais de 900 periódicos.
Entre as linhas de ações estabelecidas nos últimos anos para melhorar a gestão e aumentar a visibilidade da coleção da SciELO Brasil, de acordo com Packer, estão profissionalizar a gestão, assegurar a sustentabilidade financeira e internacionalizar as publicações.
“É preciso aumentar o percentual de pesquisadores estrangeiros envolvidos nos comitês editoriais, no processo de revisão por pares e, principalmente, como autores dos artigos publicados pelos periódicos brasileiros”, apontou.
Foto: por Eduardo Cesar
Fonte: Agência FAPESP
Por Karina Toledo, de Fortaleza
Uma ferramenta capaz de fazer análises integradas de dados sobre clima, ambiente e saúde pública e de fornecer cenários climáticos futuros para orientar a tomada de decisão relacionada a eventos extremos já está disponível gratuitamente na internet.
Denominada PULSE-Brasil (Platform for Understanding Long-term Sustainability of Ecosystems), a plataforma foi desenvolvida por pesquisadores brasileiros e britânicos no âmbito do projeto “Impact of climate extremes on ecosystem and human health in Brazil”, apoiado pela FAPESP e pelo Natural Environment Research Council (NERC), do Reino Unido.
A pesquisa é coordenada por Jose Antonio Marengo Orsini, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e por Peter Michael Cox, da University of Exeter (Reino Unido). Resultados parciais foram apresentados no dia 13 de maio, em Fortaleza, durante a conferência internacional Adaptations Futures 2014.
"O projeto nasceu de uma colaboração existente há mais de uma década entre pesquisadores do Inpe e de Exeter para estudos sobre a Amazônia. O apoio do NERC e da FAPESP foi fundamental para garantir a continuidade das pesquisas, que têm como objetivo democratizar o conhecimento sobre o clima e informar decisores políticos e a sociedade em geral, uma vez que a Amazônia é um tema que interessa a todo o mundo", afirmou Marengo.
De acordo com Cox, a Amazônia representa uma peça-chave no sistema climático mundial e é potencialmente vulnerável ao aquecimento global – por esse motivo precisa ser mais bem estudada. "É importante que os formuladores de políticas públicas tenham acesso a informações mais atualizadas para orientar a tomada de decisões. Nós desejamos ajudar a fornecer essas informações", disse.
No momento, a ferramenta já permite visualizar dados de clima observado entre 1950 e 2012 e projeções de clima futuro baseado nos modelos mais recentes do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas].
O próximo passo, já iniciado, é usar essas informações para fazer avaliação de impactos, ou seja, investigar como um determinado evento climático resultou em uma enchente ou uma epidemia, por exemplo.
Entre as informações de clima disponíveis na plataforma estão temperatura máxima, mínima e média, cuja variabilidade em cada estado brasileiro ou em todo o território nacional pode ser visualizada por mês ou por ano.
Também há dados sobre precipitação pluviométrica, sobre a vazão dos rios e sobre casos de dengue, malária, diarreia, leptospirose e doenças respiratórias – doenças consideradas sensíveis à variação de temperatura e de chuva.
A fonte usada foi o Climatic Research Unit (CRU), da University of East Anglia, no Reino Unido, referência mundial para dados observados. Para se conseguir informação desde 1950, época em que praticamente não havia estações de medição, os dados foram calculados por modelos matemáticos, como explicou Duarte Costa, gerente do projeto pelo lado britânico e pesquisador da Faculdade de Engenharia, Matemática e Ciências Físicas da University of Exeter.
"Os dados locais observados nas estações existentes são interpolados por algoritmos numéricos e, assim, são geradas informações para onde não existe medição. É uma forma cientificamente válida de compensar as áreas em que faltam dados de séries temporais. Quanto mais recentes são os dados, mais fidedignos, pois há mais estações de medição que contribuem para a validação dos dados interpolados”, explicou Costa.
Já as projeções de clima futuro são baseadas no segundo cenário (RCP4.5) apresentado no último relatório do IPCC, que prevê até 2100 um aumento da temperatura média global entre 1,1 °C e 2,6 °C e uma elevação do nível do mar entre 32 e 63 centímetros.
“É um cenário mediano, não é dos mais pessimistas. Mas, em vez de consultar vários cenários, a ferramenta permite consultar a projeção de cerca de 25 diferentes modelos – desenvolvidos pelos principais centros mundiais de pesquisa sobre o tema – dentro de um mesmo cenário”, disse Costa.
“Permite também ao usuário selecionar o modelo que quer analisar escolhendo entre o que mais subestima, sobrestima ou se aproxima da mediana da projeção de uma determinada variável e entre um conjunto de modelos”, disse.
De acordo com os pesquisadores, a ferramenta PULSE-Brasil pode mostrar com toda a clareza aos técnicos ambientais e aos gestores políticos se um determinado evento, como uma seca mais intensa e prolongada, está realmente fora do padrão dos últimos 60 anos e pode ser considerado um evento extremo associado à instabilidade do sistema climático global.
No caso da saúde pública, por exemplo, permite ver, com base no registro de notificação obrigatória de doenças da base de dados do Datasus, se um surto de dengue ou de malária está dentro do padrão de um determinado estado em uma determinada época do ano.
O trabalho de avaliação de impactos integrados de clima, saúde e ambiente começou há cerca de dois anos com uma análise exploratória sobre o impacto de secas sobre a ocorrência de doenças respiratórias realizada para a Amazônia. A análise foi publicada no periódico Scientific Reports, da Nature.
Atualmente, estão sendo feitos de forma piloto no Estado do Acre estudos visando ao entendimento de outras doenças. O grupo integra pesquisadores do Inpe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), do governo do Acre, da Secretaria Estadual de Saúde, da Fundação de Ciência e Tecnologia do Acre (Funtac), da Defesa Civil estadual e municipal (Rio Branco), da Universidade Federal do Acre (Ufac) e do Instituto de Mudanças Climáticas.
"Escolhemos o Acre como modelo de estudo por ser um dos estados mais afetados pelos eventos extremos recentes, como as secas de 2005 e de 2010 e as enchentes de 2009, 2012, 2013 e 2014. Os impactos foram graves na saúde e na infraestrutura física e acreditamos ser importante para a população conhecer esses impactos", afirmou Marengo.
Outro motivo que levou os pesquisadores a escolher o Acre, segundo Cox, foi o engajamento de agentes locais no desenvolvimento da plataforma PULSE-Brasil, especialmente Vera Reis, assessora técnica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, e Foster Brown, pesquisador da Ufac.
Entre as análises feitas está a relação entre o índice de precipitação e a ocorrência de enchentes na cidade de Rio Branco. Os cientistas pretendem descobrir em quais áreas da bacia hidrográfica as chuvas intensas representam maior risco de alagamento. Outra meta é descobrir com qual antecedência é possível prever a ocorrência da enchente, uma vez que o tempo varia de acordo com condições geomorfológicas.
Os resultados da análise da relação entre chuva e enchentes serão cruzados com as projeções do modelo climático regional ETA, do Inpe, para a elaboração de cenários futuros.
“O que aconteceria com o nível do Rio Branco, por exemplo, se tivermos uma condição climática como a prevista no modelo. Será que o rio pode alagar uma área ainda maior que a atual? Poderão ocorrer alagamentos em períodos diferentes do ano? Com o envolvimento de atores locais, como a Defesa Civil, a ferramenta pode servir para a elaboração de um plano de longo prazo, para mostrar onde há maior risco de alagamento e a população mais vulnerável se o nível do rio alcançar uma nova cota”, afirmou Costa.
Outra avalição em andamento liderada por Luiz Aragão, pesquisador do Inpe e coordenador da cooperação internacional, é a de risco de fogo. A análise leva em conta fatores como uso da terra, desmatamento, umidade, temperatura no continente e até mesmo temperatura do oceano.
Isso porque estudos mostraram que a temperatura em determinadas áreas do Atlântico Tropical pode causar ondas de calor no continente e modificar a umidade e o risco de fogo no sul e no sudoeste da Amazônia.
Outra vertente da investigação são os impactos na área da saúde pública, cujo objetivo é verificar como as populações reagirão ao clima futuro e quais as áreas mais vulneráveis a, por exemplo, surtos de dengue ou malária.
De acordo com os cientistas, a informação poderá contribuir para a organização dos serviços de saúde e a previsão de custos com a doença – possibilitando um planejamento de longo prazo.
Marengo conta que o próximo trabalho a ser feito ainda no âmbito do projeto financiado pela FAPESP e pelo NERC será a avaliação de impacto de extremos climáticos para São Paulo.
"O trabalho desenvolvido no estado do Acre nos fornece a metodologia e dados para estudos de saúde e, no longo prazo, pretendemos replicar para todo o Brasil. Mas até o fim deste projeto, que termina em 2015, será possível aplicar somente em São Paulo. Pretendemos estudar os setores de saúde e de recursos hídricos”, disse.
Segundo Marengo, os resultados dos estudos desenvolvidos no Acre também serão de grande utilidade para outro Projeto Temático que está sendo desenvolvido no âmbito de umconvênio da FAPESP com o Belmont Forum, grupo de instituições de fomento à pesquisa sobre mudanças globais.
"O objetivo, nesse caso, é avaliar a vulnerabilidade em quatro regiões costeiras do mundo. No Brasil, o sítio de estudo será a cidade de Santos, no litoral paulista", disse Marengo.
Foto: Reprodução; capa: Angela Peres/Agência de Notícias do Acre
Fonte:Agência FAPESP
Por Karina Toledo, de Fortaleza
Comunidades de diferentes partes do mundo estão colocando em prática planos de adaptação às mudanças climáticas, cujos efeitos – como a elevação do nível do mar e o aumento na frequência de enchentes, estiagens, ondas de frio e calor intenso – começam a ser sentidos pela humanidade e tendem a se intensificar nos próximos anos.
Compartilhar algumas dessas experiências, discutir seus erros e acertos e criar uma rede de pesquisa colaborativa sobre o tema são os objetivos da conferência internacional Adaptation Futures 2014, que ocorre pela primeira vez no Brasil.
O evento, organizado pelo Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Programa Global de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas, Vulnerabilidade, Impactos e Adaptação (Peovia) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), vai até o dia 16 de maio em Fortaleza, no Ceará.
“Após a liberação dos últimos relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ], particularmente do Relatório sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas, ficou claro que a adaptação é a melhor forma, talvez a única, de enfrentar as mudanças climáticas”, ressaltou, durante a cerimônia de abertura, José Marengo, pesquisador do Inpe, organizador da conferência e membro do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Segundo Marengo, o Brasil ainda tem muito a aprender sobre o tema e é de fundamental importância que essa discussão ocorra na presença de tomadores de decisão e de organizações nacionais e internacionais da comunidade científica.
“No final do encontro pretendemos elaborar um relatório e divulgar os resultados das discussões aos formuladores de políticas públicas tanto de Fortaleza como de outras partes do mundo”, disse Marengo à Agência FAPESP.
Ainda durante a cerimônia de abertura, Saleemul Huq, pesquisador do International Centre for Climate Change and Development, sediado na Independent University, em Bangladesh, destacou que a conferência pretende ser a interface entre a ciência e a política.
“Essa rede de pesquisadores e tomadores de decisões tem se encontrado regularmente e compartilhado informações desde as duas conferências anteriores [ em 2010, na Austrália e, em 2012, nos Estados Unidos ]”, contou Huq.
“Coletivamente nós ampliamos a curva de aprendizagem. Os primeiros estágios eram simplesmente corrigir o que estava sendo feito errado. Mas fomos além e atualmente estamos lidando com a adaptação na prática em diferentes locais do mundo”, disse o pesquisador.
Segundo Huq, hoje se trabalha na academia a noção de adaptação transformativa, que significa não apenas lidar com as alterações no clima, mas mudar coletivamente o modo de viver.
“O mundo em que vivemos não é bom e temos de transformá-lo. Todos os países, em nível nacional, e a humanidade em escala global, pois estamos todos indo na direção errada em diversos aspectos. Deveríamos estar reduzindo a poluição e, no entanto, poluímos ainda mais. Continuamos a desmatar e a população continua crescendo”, disse Huq.
Também participaram da mesa de abertura Eduardo Martins, presidente da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme); a analista ambiental Mariana Egler, representante do Ministério do Meio Ambiente; Antonio Rocha Magalhães, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE); José Rubéns Dutra Mota, do Banco do Nordeste; e Victor Frota Pinto, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE).
A conferência magna de abertura foi proferida pela ex-ministra Marina Silva, que disse que a humanidade como um todo enfrenta uma “crise civilizatória” composta por cinco crises diferentes: econômica, social, ambiental, política e ética.
Foto: Participantes do Adaptation Futures 2014, em Fortaleza, vão redigir relatório e levar conclusões aos formuladores de políticas públicas/ por Rogério Lima.
Fonte: Agência FAPESP