Temperatura em 2016 atingirá índice histórico, diz Organização Meteorológica Mundial
A dobradinha formada por aquecimento global e pelo fenômeno El Niño aproxima o planeta de uma marca histórica. O mundo muito provavelmente voltará a bater o recorde de temperatura, com uma média de 1,2 grau Celsius superior ao nível da era pré-industrial. Se a previsão for confirmada, como indica a Organização Meteorológica Mundial (OMM), o século XXI será palco de 16 dos 17 anos mais quentes desde o início dos registros, em 1880. Segundo o relatório divulgado ontem pela OMM na Conferência do Clima em Marrakesh (COP-22), no Marrocos, o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, somado ao acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera fará 2016 desbancar o recorde de calor de 2015. Secretário-geral da OMM, Petteri Taalas enumera alguns estragos provocados pela ascensão descontrolada dos termômetros. Em setembro, a calota polar do Ártico atingiu sua segunda menor extensão, segundo medições de satélite. O aquecimento dos oceanos aumentou em 50% a mortandade de corais da Grande Barreira de Corais da Austrália. Ondas de calor e inundações
tornaram-se mais frequentes. — Outro ano. Outro recorde — lamenta Taalas. — O calor extra oriundo deste poderoso El Niño desapareceu. Mas o calor provocado pelo aquecimento global continuará. Já uma equipe de pesquisadores da Universidade de East Anglia, do Reino Unido, levou ao Marrocos uma boa notícia: em 2015, o mundo conseguiu, pelo terceiro ano consecutivo, manter estáveis suas emissões de dióxido de carbono (CO2) —o maior “vilão” do aquecimento global.
Foram liberadas para a atmosfera 36,3 gigatoneladas de CO2 no ano passado, apenas 0,2% a mais do que em 2014. Um dos principais motivos seria o aumento do investimento em energias renováveis pelo governo chinês. Climatologistas cogitam que o planeta pode estar se aproximando do pico das emissões — o desafio, a partir de agora, é conseguir baixá-las. — É como se fosse um obeso cumprindo uma dieta. Ele pode parar de engordar, mas ainda precisa queimar gordura — compara José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). — Agora é necessário estudar técnicas para retirar os poluentes da atmosfera. Uma delas seria implementar um programa mundial de reflorestamento, mas antes devemos estudar se o armazenamento de uma quantidade imensa de carbono pode desestabilizar o solo. — Se não atingimos o pico de emissões, devemos estar próximos — avalia Suzana Kahn, coordenadora executiva do Fundo Verde e presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro para Mudanças Climáticas. — Nunca a energia renovável representou um percentual tão significativo na matriz energética mundial. Os investimentos estão migrando da energia fóssil para as renováveis, como a solar e a eólica, cujo custo caiu centuadamente na última década. Os cientistas, porém, enfatizam que a estabilização das emissões não corresponde ao cumprimento das metas do Acordo de Paris, elaborado na capital francesa, no encerramento da COP-21. O documento estabelece como objetivo manter o aumento da temperatura do planeta em, no máximo, 2 graus Celsius em relação à era pré-industrial. Até agora, 109 países, responsáveis por 76% das emissões globais, já ratificaram o documento. Entre eles figura os EUA, mas o presidente eleito Donald Trump está disposto a abandonar a iniciativa. De acordo com uma fonte ligada à equipe de transição de Trump para energia e políticas sobre o clima, foi uma “imprudência” pôr o Acordo de Paris em vigor antes das eleições. O presidente eleito considera o aquecimento global uma “farsa” inventada para frear o crescimento econômico americano, e estaria avaliando a assinatura de uma medida invalidando a adesão do país, que responde por 18% das emissões globais, ao documento. Chefe negociador dos EUA na COP-22, Jonathan Pershing assegura que o país continuará combatendo as mudanças climáticas. Segundo ele, a maior preocupação em Marrakesh é estabelecer prazos e compromissos precisos para que o Acordo de Paris possa ser aplicado a partir de 2020. —Os chefes de Estado podem mudar, e mudarão, mas tenho certeza de que podemos manter, e que manteremos, um esforço internacional durável para neutralizar as mudanças climáticas — destaca Pershing, que, no entanto, ainda não teve contato com a equipe de transição de Trump. — A questão (agora) já não é saber se a aplicação do acordo será acelerada, mas quando e como.
Para André Nahur, coordenador interino de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, a eventual saída dos EUA do acordo não deve desestimular outros signatários: — O governo chinês e vários outros países já manifestaram que seguirão seus compromissos. Os EUA são o terceiro maior empregador no setor de energias renováveis no mundo. Trump terá que reconhecer que, para manter a economia de seu país e o bem-estar da população, precisará lidar com as mudanças climáticas. — Não creio que algum país pule do barco, pois o custo político seria enorme — comenta Suzana Kahn. — O que está em jogo são os interesses econômicos. A China tem todo o interesse em ver o Acordo de Paris avançar, uma vez que ela é líder no mercado de energia renovável. Os EUA não deverão sair do acordo, mas poderão dificultar a definição de suas regras e postergar a data em que entrará em vigor.
US$ 520 BILHÕES EM PERDAS POR ANO
Um relatório publicado ontem pelo Banco Mundial dá uma razão significativa para apressar os negociadores. De acordo com a instituição, as catástrofes naturais provocam um prejuízo de US$ 520 bilhões e mergulham na pobreza cerca de 26 milhões de pessoas por ano. A nova avaliação é superior em 60% aos cálculos habituais das Nações Unidas, que estimam as perdas em US$ 300 bilhões. A diferença ocorre porque, além de calcular os danos materiais — vistos, por exemplo, em moradias, infraestrutura e meios de transporte —, o documento também considera como um desastre natural afeta o “bem-estar”, alterando gastos com alimentação, educação e saúde, sobretudo para a população menos favorecida.
Fonte: O Globo