Artigo: Capitalismo climático Para a obtenção do lucro, é fundamental que se limite o aumento de temperatura da Terra

Após inúmeras Conferências do Clima e cinco relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática ( IPCC), o mundo continua no caminho do aumento de temperatura. Se isso não é desejável para a sociedade coletivamente, então a mensagem não deve estar sendo suficientemente clara. O aquecimento global provocado pelas atividades humanas não é um dogma, visto que ciência não tem dogmas, mas sim um conjunto de métodos baseados em observações empíricas reunidas por meio de um conjunto de ferramentas e modelos matemáticos, frequentemente aperfeiçoados. Também não se refere apenas a um cuidado com a natureza, mas ao cuidado com a manutenção da nossa estrutura e ordem mundial. Como a confiabilidade dos modelos empregados aumenta continuamente, reforçando ainda mais as recomendações dos cientistas, e ainda assim há resistência em agir, deve-se, portanto, buscar outra estratégia.

Uma opção poderia ser a mudança de linguagem na comunicação, passando-se a adotar a terminologia existente desde o século XVIII, quando Adam Smith, com sua obra “A riqueza das nações ”, destacou a importância do lucro como promotor do progresso.

Simplificadamente, a ideia do capitalismo consiste em que o dinheiro, bens e recursos sejam investidos na produção, visando a obter cada vez mais lucro. O capitalismo também se baseia fortemente na confiança nas instituições e no futuro, o que permite que se tenha crédito. Bem mais recentemente, o termo capital natural passou a ser empregado para designar o estoque de recursos naturais renováveis e não renováveis. Como são essenciais para as atividades econômicas, nada mais razoável do que a denominação de capital natural. Outra expressão, com viés sociológico, passou a ser incorporada nas análises de desenvolvimento econômico e progresso das nações, o chamado capital social. Entende-se por capital social a confiança na sociedade (bem atualmente escasso e que tem contribuído para a queda de produtividade e nível de bem-estar), orgulho da própria identidade, prazer em ações voluntárias, altruísmo, honestidade e eficiência das instituições públicas.

Para a obtenção do lucro, essência do capitalismo, é fundamental que se limite o aumento de temperatura da Terra, pois, do contrário, perdas incalculáveis e danos irreparáveis ocorrerão. Para o sistema de crédito, a crença no futuro e a confiança das instituições são elementos necessários. E o aquecimento global torna o futuro tão obscuro a ponto de que algumas nações insulares não saberem se continuarão existindo nas próximas décadas. A falha em lidar com o aquecimento global pelos líderes do planeta gera uma desconfiança por parte da sociedade em suas instituições e os impactos causados pelo aumento de temperatura reduzirão o bem-estar social, mesmo por parte daqueles que vivem em áreas mais ricas, pois não estarão protegidos de eventos climáticos extremos que assolam o planeta. A perda do capital natural reduzirá o lucro em níveis mundiais.

Sendo assim, atuar no sentido de limitar o aumento de temperatura do planeta é garantir a manutenção dos lucros e do crédito, postulados originais do capitalismo. Portanto, um capitalismo “climático” seria um novo modelo para manter o capitalismo como o sistema econômico deste século. Quem sabe se com essa premissa agora vai?

Suzana Kahn Ribeiro é  presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudança Climática e coordenadora do Fundo Verde da UFRJ

Artigo Publicado em O GLOBO.

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